Do site da Crescer
O pediatra Moises Chencinski fala sobre a tramitação de projeto de lei que garante às mulheres o direito de amamentarem seus filhos onde e quando quiserem, sem sofrer qualquer tipo de constrangimento por isso. Ele reflete sobre a demora para que algo tão óbvio (e importante) aconteça
por Dr. Moises Chencinski - colunista
03/07/2023
ÓBVIO. Evidente. Gritante. Incontestável. Indiscutível. Irrefutável. Inegável. Intuitivo. Pode escolher uma dessas para começar a ler esse texto.
Você sabia que pode acompanhar a tramitação de projetos da Câmara dos Deputados, bastando para isso se inscrever no site, nas propostas que você se interessar? Assim, recebi um e-mail com esse texto.
Acompanhamento de Proposições
Brasília, sábado, 01 de julho de 2023
Prezado(a) YECHIEL MOISES CHENCINSKI,
Informamos que as proposições abaixo sofreram movimentações.
PL-01654/2019 - Dispõe sobre o direito à amamentação em público e sobre o dever de reparação de danos em caso de sua violação.
- 22/06/2023 – Parecer da Relatora, Dep. Sâmia Bomfim (PSOL-SP).
Cliquei no link e fui verificar o teor da mensagem, desconfiado e já sem esperanças.
Afinal, de 5 de agosto de 2015 (PLS nº 514/2015 – Senadora Vanessa Grazziotin – PC do B - AM) a 22 de junho de 2.023 (PL nº 1654/2019 – Deputada Federal Sâmia Bomfim – PSOL-SP) são 7 anos, 10 meses e 17 dias de expectativas.
Esse foi o tempo que levou para que um Projeto de Lei de uma página e meia (o tamanho do projeto não representa a grandiosidade do que foi conseguido, apesar de ser tão óbvio), após tramitação por várias instâncias, várias relatorias, vários finais de mandatos, chegasse até hoje.
Dá pra seguir a saga e a novela nessa matéria de 27 de fevereiro de 2.023 que eu escrevi aqui, na Crescer. Olha só um trecho esse texto.
“Os Estados Unidos, país não muito reconhecido pelo quesito aleitamento materno, que tem 50 Estados e cada um deles com uma legislação própria, desde julho de 2018, protege mães que queiram amamentar em público de serem constrangidas através de força de lei em todo seu território, assim como Austrália, Reino Unido e outros.”
Pois é. Mas aqui, em Terra Brasilis...
Se eu contar o que diz esse PL pra estrangeiros e até para todos os brasileiros que não estão familiarizados com nossa “cultura”, nossa “sociedade” e nossa “política”, as reações mais esperadas poderiam ser:
- Mas isso não é óbvio?
- Jura que levou esse tempo todo?
- Peraí. Precisa de lei pra isso?
Então. Vou resumir, em termos simples, o que levou esse tempo todo para chegar até hoje.
Um bebê, com fome, pode ser amamentado pela sua mãe onde e quando ele quiser.
Fala sério. Não acredita que seja isso? Nem eu.
Mas, finalmente, foi aprovado o PL, que deve entrar em vigor em 180 dias depois de sua publicação, como uma SUBEMENDA SUBSTITUTIVA AO SUBSTITUTIVO DA COMISSÃO DE DIREITOS DA MULHER AO PL Nº 1.654, DE 2019, que “Altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), para estabelecer o direito à amamentação em espaços públicos e privados de uso coletivo, prever treinamento de funcionários e impor penalidade para o descumprimento.”
E o seu artigo 2º traz decisões muito importantes (negritos são meus):
Art. 2º A Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), passa a vigorar acrescida dos seguintes artigos:
Art. 9º-A. A amamentação é direito do lactente e da lactante, exercido livremente em espaços públicos e privados de uso coletivo, vedado qualquer tipo de constrangimento, repressão ou restrição ao seu exercício.
§ 1º Os espaços mencionados no caput disponibilizarão locais para a prática da amamentação de acordo com as normas regulamentadoras, cabendo exclusivamente à lactante a opção por usá-los.
§ 2º É obrigatório o treinamento de funcionários de espaços públicos e privados de uso coletivo a respeito da importância da amamentação.”
“Art. 245-A. Impedir ou cercear o exercício do direito de amamentar em espaços públicos e privados de uso coletivo.”
Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.
Talvez, o grande peso que foge do óbvio seja a caracterização de uma pena (multa e detenção) para quem cometer esse delito.
O restante do texto é tão óbvio, tão óbvio, mas tão óbvio ...
Que tempos são estes, em que temos que defender o óbvio?
Bertolt Brecht (10/02/1898 – 14/08/1956 – dramaturgo, poeta e encenador alemão do século XX)
A argumentação da Deputada em seu parecer como relatora é muito bem embasada e vale a leitura na íntegra.
E com isso, vale mais um alerta, mesmo que repetitivo:
Constranger uma mãe que queira amamentar seu filho em público, sob qualquer circunstância que seja, É CRIME. Ficou claro?
Acho importante reforçar, mesmo que tenha ficado claro para mim.
E, para entender que não é só comigo...
“Eu cometo constantemente o erro de pensar que algo óbvio para mim é óbvio para todo mundo.”
Chimamanda Ngozi Adichie (15/09/1977), escritora nigeriana, feminista, aclamada como uma das mais importantes vozes da literatura africana contemporânea.
Que bom que mães tenham uma lei que as proteja quando quiserem amamentar seus filhos em público.
Que pena que seja necessário ter uma lei para que filhos sejam amamentados por suas mães, quando e onde eles tiverem fome.
São mais 180 dias. Esperançar.
Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545