Do site da Crescer
"Um dos fatores que podem ter contribuído para que as taxas de aleitamento materno tivessem uma evolução bem menos relevante entre 2006 e 2019 foi o muito melhor uso que a indústria de substitutos de leite materno, através de seu marketing, fez das mídias sociais", diz o colunista Moises Chencinski
por Dr. Moises Chencinski - colunista
14/08/2023
O Brasil é reconhecido internacionalmente por muitas questões relacionadas ao aleitamento materno.
O país esteve representado oficialmente em muitas ações. É signatário da OIT (Organização Internacional do Trabalho – 1.919), da Declaração de Innocenti (1.990), tem representatividade na OMS, tem a maior rede de Bancos de Leite Humano do mundo (rede BLH), com tecnologia exportada e utilizada em vários países, entre outras de relevância.
Estudos realizados comprovam nossa evolução nas taxas de aleitamento e, como exemplo, temos a prevalência de aleitamento materno exclusivo entre crianças menores de 6 meses de idade.
1.986 - Pesquisa Nacional sobre Saúde Materno-Infantil: 2,9%.
1.996 - Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde: 23,9%.
2.006 - Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher: 37,1%.
2.019 - Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil: 45,8%.
Então, entre 1.986 e 2.019, passamos de 2,9% para 45,8%. Fala sério. É mesmo impressionante. E, para isso, muitas ações foram implementadas, muitos desafios foram transpostos, muita gente séria se envolveu e, com a participação de muitos agentes, muitas crianças tiveram muitos ganhos em seus potenciais bio-psico-físico-sociais.
Mas, porém, contudo, todavia, entretanto...
Essas são “conjunções adversativas que ligam duas orações ou palavras, expressando ideia de contraste ou compensação”, ou seja... perrengues.
Entre 1.986 e 2.006 (20 anos) as taxas apresentaram uma evolução muito digna: de 2,9 para 37,1%. Mas, entre 2.006 e 2.019 (os últimos 13 anos dessa pesquisa), as taxas evoluíram em 8,7%. Reforçando: 8,7% em 13 anos. Esse crescimento não é compatível com tudo o que se apresentava até 2.006.
O que pode ter mudado nesse cenário? Corta para a “próxima cena”.
Você sabe quando surgiram as redes sociais?
Por volta de 1.990, mesmo com 20 anos de atraso em relação à sua criação, os celulares apareceram no Brasil. Assim, a partir de então, você poderia se comunicar com quem quer que fosse, onde quer que você estivesse, a qualquer momento que você quisesse... ou quase isso (lembra como era nos túneis?). Com o tempo, as condições foram se aperfeiçoando e outros mecanismos de comunicação começaram a surgir.
Quero que vocês gravem as datas. Vai ter relevância daqui a pouco. Acreditem.
O E-mail apareceu em 1.971 e chegou ao Brasil pelo BOL em 1.996.
O Google surgiu no mundo em 1.998 e no Brasil em 2.005.
O Orkut (primeira rede de comunicação) em 2.004 e no Brasil em 2.006.
O Facebook em 2.004 e no Brasil em 2.007.
O Youtube em 2.005 e no Brasil em 2.007.
O Twitter em 2.006 e aqui em 2.009.
O WhatsApp em 2.009 e entre nós em 2.010.
E vou parar no Instagram que surgiu ao mesmo tempo no mundo e aqui em 2.010.
Assim, entre 1.998 (no mundo) ou 2.005 (no Brasil) e 2.010, a comunicação se tornou muito mais rápida, muito mais ampla, muito mais universal, inicialmente através da internet pelos computadores e atualmente pelos aparelhos celulares.
E daí? Calma, vamos chegando lá. Passo a passo ou clic a clic
Existe uma pesquisa mundial (246 países), um relatório feito anualmente, que avalia uma série de dados a respeito da comunicação digital (Digital Global Overview Report - Relatório de Visão Geral Global Digital), divulgado no começo de 2.023, que traz informações extremamente relevantes para quem pesquisa ou trabalha com a informação.
Entre os dados abordados nessa última pesquisa, foram observados:
- Uma grande mudança nos números globais de usuários da Internet;
- Informações valiosas da evolução das preferências de plataforma de mídia social;
- Mudanças nos dispositivos que as pessoas usam para acessar conteúdos e serviços digitais;
- O crescimento surpreendente da publicidade digital.
Vou focar nos dados do Brasil, com 215.9 milhões de habitantes (Feminino: 50,9% / Masculino:49,1%). Algo do tipo “você sabia que”? Segue o flow.
Somos o 2º lugar no mundo em tempo diário gasto na internet (9 horas e 15 minutos), o 3º em uso de celular para acessar internet (98,2% da população), o 3º também em tempo diário usando mídias sociais (3 horas e 44 minutos) e o 3º em seguir influenciadores na mídia social (39,7%).
O Brasil é, também:
- O 4º país no mundo em uso de Facebook (114 milhões).
- O 3º no Instagram (132.5 milhões).
- O 3º no TIKTOK (84,1 milhões).
- O 1º em pesquisa de marcas online (70,3%).
Temos “mais celulares que gente” (221 milhões), e imaginando que as crianças até pelo menos 6(?) anos “ainda” não são contados aqui
Passamos de 103 milhões de usuários de internet em 2.013 a 156 milhões em 2.019 e quase 182 milhões em 2.023 (84,3%), sendo que mais de 152 milhões (70,6%) são ativos nas redes sociais.
A busca de informações (77,6%), contatos com familiares e amigos (71,7%), a pesquisa de produtos e marcas (70,6%) e de assuntos e produtos de saúde (47,2%) estão entre as principais razões do uso da internet.
Para isso, as plataformas de mídia social mais usadas são o WhatsApp (93,4%), Instagram (89,8%), Facebook (86,8%), TIKTOK (65,9%) com outros a seguir.
Chama a atenção, também, o investimento em publicidade de 2 bilhões de dólares no ano com um aumento de 613 milhões (+43,7%) no volume de despesas no último ano.
Então quer dizer que...
Essa é uma análise bem superficial, até simplista, que mereceria uma tese de pesquisa de doutorado ou mestrado (que eu não vou fazer - rsrs).
Esses dados são disponíveis para quem quiser acessar. Se eu acompanho essas divulgações há anos, imagine quem trabalha com marketing.
A minha impressão:
Um dos fatores que podem ter contribuído para que as taxas de aleitamento materno tivessem uma evolução bem menos relevante entre 2.006 e 2.019 foi o muito melhor uso que a indústria de substitutos de leite materno, através de seu marketing, fez das mídias sociais, disseminando, através de técnicas mais apropriadas e eficazes (uma delas o hoje conhecido algoritmo), suas mensagens de forma agressiva e certeira, utilizando brechas na legislação, como o uso de influenciadoras digitais, algumas que inclusive reforçaram a importância do aleitamento materno em seus perfis.
Um exemplo, entre muitos:
No dia 1º de agosto, na cerimônia abertura da Semana Mundial de Aleitamento Materno no Ministério da Saúde, o UNICEF e os Correios lançaram 3 selos comemorativos para marcar a data com a mensagem: A melhor coisa para o bebê é mamar. Garantir o direito à amamentação é uma responsabilidade de todos nós.
No dia 3 de agosto, uma indústria de substitutos de leite materno encaminhou uma mala direta sobre um site com informações sobre saúde infantil e, acreditem, aleitamento materno.
Fazendo uma busca dos dois pelo Google, os resultados (13/08) foram os seguintes:
- Selos UNICEF/Correio – 60.400 resultados.
- Site da indústria divulgado por mala direta (SPAM): 31.300.000 resultados.
Entre o selo interessante e o SPAM eficaz... Temos muito a aprender e evoluir no marketing do “produto leite humano” que é, inquestionavelmente, inigualável.
Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545