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Por favor, me escuta bonito?

Do site da Crescer

O pediatra Moises Chencinski reflete sobre a importância de ouvir o outro com atenção. "Não consigo imaginar nenhuma situação em que a prática de empatia, escuta ativa, sem julgamentos não possa ser uma poderosa ferramenta de comunicação"

por Dr. Moises Chencinski - colunista

25/09/2023

Já abordei muito a importância do aconselhamento na amamentação e, a cada dia, encontro aplicações dessa prática em muitas áreas da nossa vida. Pensando bem, não consigo imaginar nenhuma situação em que a prática de empatia, escuta ativa, sem julgamentos não possa ser uma poderosa ferramenta de comunicação.

Essa é a proposta das autoras, Dra. Lais G. S. Bueno e Dra. Keiko M. Teruya, desse artigo de revisão (Aconselhamento em amamentação e sua prática), publicado em 2.004, no Jornal de Pediatria.

Mas aconselhar e aconselhamento não é a mesma coisa?

Aconselhar é dar conselho, dizendo a alguém o que fazer.

Já o aconselhamento é uma forma de comunicação em que existe uma escuta, uma busca da compreensão do outro e, através dos conhecimentos, oferecimento de ajuda para propiciar que o outro se planeje, tome suas próprias decisões, se fortaleça, se empodere e consiga lidar com pressões, com autoconfiança e autoestima.

Simplificadas e resumidas em uma tabela, as habilidades para o aconselhamento em amamentação, que deveriam ser mais abordadas e ensinadas em todas as universidades, de todas as áreas em que a comunicação seja uma ferramenta fundamental, podem ser divididas em duas ações: 

- Habilidades de ouvir e aprender, com comunicação não-verbal, mantendo a cabeça no mesmo nível, prestando atenção, removendo barreiras, dedicando tempo, fazendo perguntas abertas (que não tenham como respostas simples sim ou não), usando expressões e gestos que demonstrem interesse, com empatia (mostrando entender como o outro se sente), evitando palavras que indiquem julgamento.

- Habilidades para aumentar a confiança e dar apoio, aceitando o que o outro pensa e sente, reconhecendo e elogiando o que o outro estiver fazendo certo, oferecendo ajuda prática, com poucas, mas relevantes, informações, em linguagem simples, com sugestões, e não ordens.

Fácil?
Ler e decorar, pode ser.

Simples?
Se aprofundar, conhecer e se preparar para cada ação das habilidades, já complica.

Intuitivo?
Nem vou comentar. Leia lá. Quantas dessas práticas nós usamos em nossas atividades profissionais, ou mesmo nos nossos relacionamentos pessoais?

Faça uma pausa aqui, volte no texto, leia com calma e critério, e analise, de coração aberto, quais dessas experiências você pensa, tenta, quer ou consegue atingir.


Corta para um almoço com pesquisas e aconselhamento

Bem recentemente, almoçando em São Paulo, com duas pediatras excelentes (Dra. Pérola C. Zupardo, de Bragança Paulista e Dra. Amanda Ibagy, de Florianópolis), amigas e parceiras na “causa da amamentação”, entre outros temas, conversamos a respeito da importância do aconselhamento. A Amanda comentou sobre alguns estudos que nos chocaram muito. Será que foi só nossa sensibilidade?

Procurei, achei esses estudos e incluí em uma aula sobre a importância dos primeiros mil dias, que dei um dia depois, falando sobre o que não poderia faltar na puericultura. E, obviamente, abordei o aconselhamento, mas uma parte dele em especial.

Os artigos foram publicados entre 2.017 e 2.019, em revistas renomadas na área da saúde e o tema abordado era: “Médicos interrompendo pacientes”.

Os pesquisadores abordaram, em estudos de 1.984 e 1.999, por quanto tempo os médicos ouviam as histórias de seus pacientes, antes de interromperem. As conclusões desses primeiros estudos mostraram que, depois de pedirem para que os pacientes expressassem suas preocupações, suas queixas e suas dúvidas, os médicos ouviram, sem interromper de alguma forma, as histórias por uma média de...

Pausa dramática para vocês tentarem imaginar e se prepararem...

Uma média de 18 a 23 segundos (isso, segundos, não minutos).

Não é possível? Os outros quatro artigos com bom rigor científico que eu achei (2.017 a 2.019), trouxeram que os médicos interromperam seus pacientes após uma mediana de... outra pausa mais dramática (é possível ser mais dramático??????) ...

Uma mediana de 11 segundos. E os pacientes que conseguiram não ser interrompidos falaram por uma mediana de 6 (isso, seis) segundos.

Que atenção é possível em uma conversa em que a escuta real dura segundos? Como é que alguém consegue encadear um raciocínio, quando é interrompido para comentários, ou questionamentos, ou observações com menos de 30 segundos de fala?

Rubem Alves tem um texto chamado “Escutatória”. Recomendo a leitura na íntegra. Ele começa assim:

Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar... Ninguém quer aprender a ouvir”.

Mas, quero terminar aqui com outro presente que Rubem Alves nos dá, pra reflexão: “Se eu fosse você”.

O que as pessoas mais desejam é alguém que as escute de maneira calma e tranquila. Em silêncio. Sem dar conselhos. Sem que digam: "Se eu fosse você". A gente ama não é a pessoa que fala bonito. É a pessoa que escuta bonito. A fala só é bonita quando ela nasce de uma longa e silenciosa escuta. É na escuta que o amor começa. E é na não-escuta que ele termina. Não aprendi isso nos livros. Aprendi prestando atenção”.

Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545