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Não existe a bala de prata na amamentação

Do site da Crescer

O pediatra Moises Chencinski destaca duas publicações que destacam a importância de políticas públicas no universo da amamentação. Confira:

por Dr. Moises Chencinski - colunista

06/10/2023

Duas matérias divulgadas na mídia norte-americana me chamaram a atenção por suas “verdades relativas” (já, já explico), destacando a importância de políticas públicas no universo da amamentação.

Uma delas trouxe os resultados de um estudo publicado no jornal da American Economic Association sobre os efeitos de propostas hospitalares estaduais destinadas a apoiar e promover a amamentação, exigindo certos padrões de cuidados durante a internação hospitalar, no pós-parto imediato. Essas ações geraram um aumento de 3,8% no início da amamentação e de 7% na probabilidade de amamentar aos 3 e 6 meses pós-parto.

Ao mesmo tempo, foram demonstradas evidências de que estas políticas de promoção da amamentação aumentaram significativamente o tempo gasto pelas mães no cuidado dos filhos, interferindo no trabalho formal, principalmente, entre as mães com filhos entre zero e três meses de idade, levando muitas delas a reduzir o seu horário de trabalho, seus turnos a período parcial ou a abandonar totalmente seus empregos, diminuindo abruptamente seus rendimentos.

A matéria continua informando que, segundo o CDC, nos primeiros dias após o parto, os bebês podem mamar a cada hora e, com o tempo, chegam a necessitar de 8 a 12 mamadas nas 24 horas, até o 6º mês de aleitamento materno exclusivo. A extração de leite, para que ele seja oferecido ao bebê enquanto a mãe volta ao trabalho, pode levar de 15 a 20 minutos, sem contar o armazenamento do leite e a limpeza das peças da máquina após cada uma das 3 a 4 sessões recomendadas.

Mesmo reconhecendo os benefícios do leite materno na saúde materno-infantil, os autores fazem questão de reforçar que “é importante reconhecer e ter em conta estes custos quando pensamos em implementar políticas como a licença parental remunerada. As políticas que proporcionam às mulheres licença remunerada podem ser uma forma realmente importante de lhes permitir tomar a decisão de amamentar e, ao mesmo tempo, não prejudicar a sua trajetória profissional a longo prazo.”

A outra matéria aborda dados divulgados pelo Departamento de Saúde Pública do Condado de St. Louis, ressaltando as disparidades na amamentação com recorte racial.

A amamentação tem muitos benefícios, de acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças, mas os hospitais dos EUA têm duas vezes mais probabilidade de fornecer fórmula para mulheres negras do que para mulheres brancas.”

Em St. Louis, mais de 20% das crianças não começaram a amamentação (2.017 a 2.021). De acordo com o relatório, 66% das crianças nascidas de mães negras amamentavam na alta hospitalar, 17% a menos do que a média do condado.

Entre as causas apontadas, destacam-se a falta de licença parental remunerada, a inflexibilidade no local de trabalho, as normas culturais que favorecem a alimentação com mamadeiras e o preconceito dos prestadores de cuidados de saúde.

Estratégias educacionais como aumento do contato pele a pele entre mãe e bebê após o parto, o início da amamentação na primeira hora após o nascimento e a redução da separação mãe-bebê poderiam interferir nessa realidade.


E onde estão as verdades relativas?

Nos Estados Unidos, na quase totalidade do país, não há licença-maternidade remunerada e a mãe deve voltar ao trabalho poucos dias após seu parto, quando equilibrar suas condições de saúde, influenciando, desde o começo, no choque entre o tempo de atividade profissional e a amamentação.

No Brasil, com a licença-maternidade remunerada de 120 dias, a amamentação é apoiada e protegida nesse período e a mãe que desejar amamentar pode se dedicar a esse cuidado e à eventual extração de leite, em caso de necessidade, sem riscos de interferência no seu trabalho.

Imaginem quanto seria benéfico se essa licença fosse estendida a todas as mulheres e não só às que trabalham em Empesas Cidadãs ou funcionárias públicas em órgãos governamentais. Está em tramitação o PL 1974/21, dos deputados Sâmia Bomfim e Glauber Braga, que institui a licença parental remunerada de 180 dias para mães, pais e a todas as pessoas em vínculo socioafetivo com a criança, para exercer o papel de cuidador.

Já no caso do Condado de St. Louis, o foco é a atenção ao recorte racial nas questões de saúde e, nesse caso, na oferta mais significativa de mamadeiras e fórmulas para uma parte “específica” da população.

Essa situação também reverbera aqui no Brasil em relação à incidência de parto cesariana, à amamentação, ao trabalho informal, às questões de equidade, quando se observa um prejuízo histórico e estatístico para essa parcela da população.

Se o foco for só na amamentação, as chances de atingirmos a meta de 70% de crianças até 6 meses de idade em aleitamento materno exclusivo em 2.030 são muito remotas, se não avaliarmos o panorama de forma global, levando em conta questões histórico-culturais, transgeracionais, sociais, raciais, econômicas, profissionais, de políticas de saúde e econômicas realmente públicas.

Acho que ando dizendo muito isso ultimamente. Não existe bala de prata (uma metáfora para uma solução simples que resolva problemas complexos com grande eficiência) para essa situação. Ou todos (ou pelo menos muitos) se prontificam a refletir e agir obre esse tema, com um olhar aqui para o Brasil e suas particularidades e peculiaridades e toda a abrangência que o tema mereça, ou continuaremos patinando em nosso compromisso com a equidade na amamentação e ficaremos a cada dia mais distantes da meta da OMS e do compromisso de conseguirmos dormir com paz na consciência.

Depende de todos nós e de cada um de nós. Estamos dispostos?

 

 

 

 

Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545