Do site da Crescer
Para que o aleitamento materno flua, é importante que tanto a mãe quanto o bebê estejam confortáveis e a mamada ajustada. Quando isso não ocorre, sobram dores, choros e incômodos…
Por Fernanda Tsuji
27/10/2023
Antes de nos tornarmos mães, imaginávamos que bastaria colocar o bebê no seio e a mágica aconteceria. No entanto, quem já amamentou sabe que isso é apenas uma romantização: a realidade do dia a dia com um recém-nascido é bem diferente. E, sim, apesar de existir um instinto e uma vontade que move mãe e bebê no aleitamento, isso por si só não é suficiente para que ele flua confortavelmente para ambos.
Esse é um momento em que uma mãe que nunca amamentou está em contato pela primeira vez com um bebê que nunca mamou. Então, existe uma adaptação. Quem dera fosse como um plug, em que se encaixa um lado no outro e pronto, mas não é assim. Requer muitas etapas para que este bebê consiga extrair o leite e para que a mãe tenha a compreensão do que está acontecendo”, explica Moises Chencinski, pediatra, membro do Departamento Científico de Aleitamento Materno da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP) e colunista da CRESCER.
Leva um tempo até encontrar o ritmo certo e a posição adequada para ambos. É fundamental que, desde o início, a mãe saiba que existe uma maneira do bebê mamar sem que haja dor, fissuras ou incômodos para ela. E isso não acontece do dia para a noite, viu? É preciso orientação clara, uma rede de apoio e, principalmente, informação antes e durante o período de aleitamento. Quanto mais amparada estiver, melhor será para alimentar o bebê e, também, para aproveitar esse momento tão essencial na relação mãe e filho.
E é aí que entra o aprendizado da tão comentada pega correta. Você já deve ter ouvido falar dela mesmo antes de amamentar, mas é na prática do dia a dia que ela se desenvolve. Basicamente, é a maneira adequada do bebê mamar, proporcionando conforto tanto para ele quanto para a mãe [veja como fazer isso acontecer no passo a passo mais abaixo].
E quando não acontece… Sim, sobram choro e irritação do bebê, angústia e dor da mãe. A frustração do momento, contudo, não pode deixar a família paralisada. “Amamentar não deve doer. Doeu? Alguma coisa precisa ser avaliada para poder favorecer que essa mãe não associe a amamentação à dor”, indica o pediatra, que pede que as pessoas não categorizem a amamentação como certa ou errada, boa ou má.
Segundo Chencinski, são diversos fatores que levam a uma pega ideal para a combinação daquela mãe com aquele bebê. E é preciso escutar o que a puérpera tem a dizer nesse momento, porque só entendendo suas dificuldades é possível que ela receba a orientação particular necessária para ajustar o que não estiver funcionando. Por fim, vale ter em mente que, com paciência e aconselhamento profissional, esse primeiro momento difícil da amamentação para algumas mulheres passa — e a prática vai ditando o caminho.
A seguir, entenda o que é a pega correta, reconheça os sinais de que a amamentação não está fluindo bem e saiba como contornar possíveis questões que possam estar atrapalhando vocês.
Sim, apenas a prática ensina como será a amamentação, mas seria interessante a gestante ter informações e tirar suas dúvidas antes do bebê nascer. Além dos cursos de gestante, oferecidos por diversas maternidades, é importante que ainda na gestação a mãe busque um pediatra de confiança.
A partir da 32ª semana de gestação, segundo Moises, vale a pena já marcar uma consulta para entender qual abordagem o pediatra segue e como costuma lidar com a amamentação. Certifique-se de que seja alguém acessível, que a localização seja coerente e que haja empatia no atendimento.
O mesmo vale para consultoras de amamentação, bancos de leite e outros profissionais que possam ser necessários após o nascimento. Pode acreditar: ter uma listinha de nomes e telefones de referência em mãos facilita muito, porque é mais difícil ir atrás e ficar testando bons profissionais com o bebê em casa ou na hora do desespero.
Outra escolha criteriosa é a seleção da maternidade e do obstetra. Isso porque, além de todo o pré-natal e o parto, é crucial que esse médico e a instituição hospitalar compreendam a importância do aleitamento.
Somente assim é possível garantir o suporte para que a primeira amamentação ocorra ainda na sala de parto, quando possível. Segundo o pediatra, embora isso não seja obrigatório, é altamente recomendado. “É a chamada ‘golden hour’, que consta no corte oportuno do cordão umbilical (que não é necessariamente logo que nasce), além de garantir o contato pele a pele imediato, independentemente de ser parto normal ou cesariana. É importante garantir a colocação desse bebê no seio logo no momento em que ele nasce ou dentro da primeira hora — se a mãe e o bebê estiverem bem”, indica Moisés.
O movimento de sucção faz a mãe produzir e liberar ocitocina (hormônio que ajuda na contração do útero e a ejetar o leite) e prolactina (hormônio que ajuda na produção do leite). Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), isso auxilia a parturiente a perder menos sangue, acelera a expulsão da placenta (caso ainda não tenha saído), além de ajudar na descida do leite. O pediatra ressalta, ainda, que a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda o aleitamento materno exclusivo até os 6 meses de idade.
Além disso, esse primeiro contato pele a pele também faz com que a mãe passe os micróbios da pele que vão proteger o filho contra infecções e formar sua microbiota intestinal. E tenha em mente de que ele não precisa ficar restrito à hora do parto. Sempre que for preciso acalmar o bebê ou criar estímulo de conexão, a mãe pode fazê-lo em casa mesmo, apoiando o bebê sem roupinha em sua pele.
Como mencionado, é importante não romantizar esse primeiro contato. Não existe mágica e é preciso que tanto a mãe quanto o bebê, que estão construindo sua relação, possam ser amparados neste primeiro momento. Por isso, o pediatra Moises Chencinski, que também é coordenador do livro "Aleitamento Materno na Era Moderna - Vencendo Desafios", enfatiza que as primeiras mamadas precisam ser observadas pela equipe médica no hospital.
“É inadmissível que um bebê saia de uma maternidade sem ter uma mamada sua avaliada do início ao fim, nos dois seios, por um profissional capacitado no aleitamento materno. O ideal é que o pediatra, a fono e a enfermeira vejam. Amamentar é uma questão multifatorial, portanto, a mãe pode precisar de uma equipe multiprofissional”, diz o especialista.
Se a mãe tiver esse suporte desde as primeiras tentativas, melhor ainda. Dessa forma, ela poderá compreender como fazer a pega correta, evitando a repetição de erros e podendo corrigi-los antes que causem problemas mais graves.
Por isso, após essa avaliação no hospital, é recomendado que, nas primeiras consultas com o pediatra, ele também observe uma mamada completa do início ao fim. “E nos dois seios, porque a criança pode aceitar muito bem uma mama e rejeitar a outra. Por quê? Por conta do posicionamento ou por conta de alguma questão de uma disfunção oral”, pontua Chencinski, sendo preciso, portanto, corrigir para que a dificuldade não persista e cause consequências danosas.
É o movimento adequado que permite que o bebê extraia o leite de forma eficiente, confortável e sem causar problemas para a mãe. A ordem, segundo Chencinski, deveria ser: “O bebê recebe o seio, que preenche a boquinha e começa a sugar, massageando a mama com a língua. O mamilo vai parar no céu da boca, que recebe um jato de leite. Ele suga, vem um segundo jato, ele engole e respira. Você percebe que o mamilo vai parar no céu da boca do bebê e não se morde o mamilo”.
A seguir, confira os elementos aos quais você deve estar atenta para que a pega correta aconteça, mas tenha em mente que, mais do que observar apenas a boca do bebê, é preciso estar atenta a todo o contexto da amamentação*:
*Dados complementares da Ficha da Observação da Mamada - Sociedade de Pediatria de São Paulo com base em documento da Organização Mundial de Saúde (OMS).
Mesmo seguindo o passo a passo anterior, a pega não ficou correta? Pois é, embora possamos observar o posicionamento do corpo e dos lábios no seio, não conseguimos ver o que se passa do lado de dentro da boca. Pode haver questões que apenas especialistas serão capazes de perceber, como o formato da língua ou a presença do freio lingual, que pode estar dificultando o aleitamento.
Além disso, é preciso lembrar que cada mãe tem um formato de seio e um tipo de mamilo específicos, além das variações da boquinha do bebê. Portanto, não se trata de uma solução padronizada: é necessário levar em conta as variáveis e encontrar pequenos ajustes que sejam específicos para você e seu bebê.
E, sim, existem também sinais de que algo não está funcionando, como mamilos fissurados, sangramento, dor ou desconforto para a mãe; mamadas muito curtinhas que não saciam; mamadas longas, mas que não resultam em ganho de peso; bebê irritado e choroso; engasgos frequentes; barulhos estranhos na sucção; e mamas ainda cheias mesmo após as mamadas.
Uma questão comum que pode atrapalhar a amamentação é a confusão de bicos. Isso acontece quando a mamadeira e/ou a chupeta são oferecidas muito cedo, antes do bebê se acostumar com o aleitamento no seio materno. Essa alternância nos métodos de alimentação pode causar confusão no bebê, levando-o a reagir ao bico do seio da mesma forma como reage ao bico artificial da mamadeira ou da chupeta. “Quando ele pega a mamadeira, ele joga a língua para baixo e para trás. Aí, quando ele vai para a mama, faz a mesma coisa e onde ele pega? No mamilo”, conta o pediatra, revelando que isso pode causar dores e fissuras na mãe.
Além disso, de acordo com o especialista, a chupeta é a principal responsável por 33% do desmame precoce abaixo dos 3 meses. “Você acaba colocando em risco a mamada. E a chupeta não é algo que o bebê pediu, ele não conhece isso. Foi algo que foi colocado pra ele. E pode trazer essa confusão, porque na hora que você põe a chupeta, ele começa a sugar. Você fala ‘aí, tá vendo? Ele precisava sugar', mas não. O ato de sugar acalma o bebê, mas a necessidade dele podia ser outra. E aí você silenciou a solicitação desse bebê através de uma chupeta”, explica o cocriador da Iniciativa Consultório Amigo da Amamentação.
O tamanho da mama e o tipo de mamilo variam de mulher para mulher. O médico esclarece que, embora existam exceções que requeiram mais atenção, geralmente isso não costuma dificultar a amamentação. Nem mesmo o bico invertido ou o bico plano, porque a pega deve ser na aréola e quando o bebê suga, esses bicos tendem a responder corretamente à mamada.
No entanto, independentemente do tamanho do seio materno, quando essa mama está muito cheia, isso, sim, pode dificultar a pega. “Essa mama precisa estar macia para que o bebê possa pegar. Uma mama muito cheia, túrgida, faz com que o bebê pegue no mamilo. E quando ele faz isso, não pega aréola e vai causando a fissura, porque está pressionando o mamilo”, explica o especialista.
Ah! E se antigamente se ensinava a tomar sol nos seios e usar bucha vegetal para esfoliar a região para fortalecer a queratina que recobre o mamilo, hoje em dia as recomendações mudaram. “Não tem mamilo que resista a uma gengiva de bebê. Você pode fazer o que você quiser, se ele estiver mordendo, você vai sentir dor e ter problemas”, diz o pediatra. Por isso, tentar corrigir a pega ainda é o meio mais eficaz de evitar as temidas fissuras.
Como já deu para perceber, embora seja um ato natural, nem sempre é fácil fazer o aleitamento. E é preciso repetir até a exaustão para não normalizar o sofrimento: amamentar não pode doer. “Pode ter uma sensibilidade, uma certa estranheza, porque é uma sensação que pode não ser habitual para uma mãe de primeiro filho. Mas não deve doer. Se tem dor, alguma coisa precisa ser melhor avaliada”, alerta.
Muitas vezes, o histórico familiar, as experiências de amigas ou a influência cultural costumam afetar a experiência individual daquela mãe. Ela pode estar sofrendo pressão, minimizando suas dificuldades ou ouvindo frases como “amamentar dói sim” ou “aguenta, é assim mesmo”, que acabam dando um caráter rotineiro ao sofrimento na amamentação.
“Não devemos normalizar e nem demonizar a amamentação, porque senão, fica a impressão de que ou é tudo maravilhoso ou é tudo um horror. Frases como ‘eu sofri muito, mas eu venci e amamentei’ precisam ser repensadas. Que bom que amamentou, mas esse sofrimento era necessário? Será que não tinha nada a mais que pudesse ser feito para trazer mais conforto?”, diz o pediatra.
Existem situações em que, mesmo que a pega não esteja adequada, o bebê ganha peso e cresce. Num primeiro momento, isso pode parecer aceitável, mas não é saudável e sustentável para a mãe, que pode estar com o mamilo destruído como resultado. “Isso indica indiretamente que o processo não está dentro daquilo que é a expectativa de uma mamada confortável para essa mãe. Quando falo de saúde, é saúde materno-infantil. Não é ordem alfabética, é ordem de prioridade. Não conseguirei ter um bebê saudável se não tiver uma mãe saudável em todos os sentidos”, destaca Chencinski. E quando a mãe associa a amamentação a algo desconfortável, doloroso e desagradável, acaba criando aversão à mamada.
Primeiro, buscar ajuda. Embora não seja incomum, você não precisa passar pela dor sozinha. Existem diversos profissionais que podem auxiliar nesse momento. Começando pelo pediatra da criança, que pode analisar a mamada e indicar as melhores formas dela acontecer.
Ele irá avaliar o estado da mãe (está tranquila? Está tensa?), se ela está trocando com o bebê, se está confortável, a posição da criança, a sucção, além de fazer uma escuta ativa sobre como a mãe está se sentindo naquele momento. O emocional e o psicológico da puérpera contam muito nesse momento.
Caso entenda que é preciso um acompanhamento específico, ele poderá indicar uma consultora de amamentação que vai em casa, sessões de laser, nutricionista, fonoaudióloga ou outro profissional que possa auxiliar mais prontamente na situação. Moises Chencinski indica, ainda, que outra ajuda importante pode vir do banco de leite. Sim, além da doação do leite materno, esses locais possuem profissionais treinados e habilitados para fornecer uma orientação gratuita específica para a mãe.
Para evitar que a situação se agrave e evite casos graves, como entupimento do ducto mamário, ingurgitamento, mastite ou abscesso mamário, é fundamental procurar ajuda logo que sentir as primeiras dores. Como a amamentação é um ato recorrente, quanto mais o erro for repetido, maior será a dor.
Uma das dúvidas mais comuns das mães é por que o bebê pega e solta a mama durante a amamentação. As razões podem ser variadas, mas é sempre positivo observar o bebê atentamente durante a amamentação, para entender os motivos dele especificamente. Na dúvida, vale procurar o pediatra ou a consultora de amamentação para desvendar os motivos.
De maneira geral, quando está saciado, o bebê faz sucções mais lentas e solta a mama quando termina. Se ele ficar pegando e soltando, pode ser um indício de que algo o está impedindo de fazer o movimento corretamente. Outros motivos podem incluir um fluxo intenso ou inconstante de leite; a necessidade de troca de lado do seio; a vontade de arrotar ou mesmo distrações exteriores, quando a criança já é maior.
Diante desse “pega e solta”, muitas mães tendem a fazer o movimento de colocar o dedo mindinho no canto da boca do bebê para despregá-lo do seio e tentar reajustar a rota. Tem vezes que funciona, quando era só a pega incorreta ou se estava entrando muito ar na mamada. No entanto, se esse for um movimento constante, é preciso analisar com ajuda de um especialista o porquê da mãe ter que ficar reajustando a mamada com tanta frequência.
Você conhece o teste da linguinha? Trata-se de uma avaliação feita em recém-nascidos em que um fonoaudiólogo avalia a mobilidade da língua, analisando se poderá afetar a amamentação e outras funções orais. Geralmente, quando há, por exemplo, a presença do freio lingual, a especialista pode sugerir a remoção, chamada de frenotomia, já na maternidade.
Chencinski, no entanto, sugere que haja uma avaliação de mais de um profissional de saúde para checar se é realmente um procedimento necessário para aquele caso e naquele momento. “Um freio cortado você não recupera e ele não é responsável por todos os quadros. Não podemos esquecer que, de novo, acabou de nascer um bebê que nunca mamou e que vai mamar no seio de uma mãe que nunca amamentou. Então, a não ser que aconteça de eu olhar que realmente não tem jeito, é preciso ter em mente que é uma fase de adaptação de amamentação”, diz o pediatra e criador do Movimento “Eu apoio leite materno”.
Ele ressalta que, neste primeiro momento na maternidade, o ideal é orientar essa mãe a amamentar melhor, antes de decidir por qualquer processo definitivo no bebê. Depois de dado tempo desse primeiro ajuste, aí, sim, vale uma avaliação multidisciplinar para tomar a decisão. E, claro, quando avaliada corretamente, realmente traz mudanças significativas na amamentação.
Dito tudo isso, ainda assim existem casos de muita dor, incômodo e frustração que podem levar a mãe a reconsiderar o aleitamento. Embora a maioria esteja ciente da importância do leite materno como alimento primordial desta fase de vida do bebê, nem sempre a teoria condiz com a realidade. Machucada, a mãe pode, sim, querer mudar suas escolhas.
“Na prática, quem define o processo de amamentação é sempre a mãe. A nossa função é de informação, consultoria e aconselhamento, baseada em escuta ativa, presença e empatia sem julgamento”, explica o pediatra, que completa: “Se ela está informada e consciente, a decisão é dela. E cabe a nós, profissionais, favorecer para que aquilo que ela decida seja feito. Não devemos demonizar as mães que optam por parar, seja porque não podem, não conseguem ou não querem mesmo amamentar. Elas devem continuar sendo acompanhadas pelos seus profissionais, porque a nossa preocupação é a saúde materna-infantil”.
Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545