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"Mesmo a amamentação sendo a base da vida, ela não garante a saúde infantil, se não for seguida de constantes cuidados e medidas favoráveis", reforça o pediatra Moises Chencinski, destacando o papel que os alimentos ultraprocessados acabam fazendo na rotina de muitas famílias
por Dr. Moises Chencinski - colunista
29/02/2024
Correndo o risco de ser repetitivo, pelo menos para começar, como já disse aqui:
“Não existe a bala de prata na amamentação”.
Assim, não existe uma ação única, ou isolada, que possa transformar ou influenciar o aleitamento materno. Assim, também, mesmo a amamentação sendo a base da vida, ela não garante a saúde infantil, se não for seguida de constantes cuidados e medidas favoráveis.
Aliás, “Amamentação: a base da vida” foi o tema da 27ª Semana Mundial de Aleitamento Materno (2.018), conforme explica esse documento (vale a leitura) do Departamento Científico de Aleitamento Materno da Sociedade Brasileira de Pediatria, do qual eu participei, com uma brilhante equipe de pediatras, hoje, além disso, amigos queridos.
Descritos e explicados, com embasamento científico, estão efeitos de curto e longo prazo da amamentação em questões clínicas (infecções, alergias, risco de sobrepeso / obesidade, diabetes tipos 1 e 2, leucemia) e de saúde mental (menos sintomas emocionais, redução de distúrbios comportamentais e de conduta, melhoria do desenvolvimento psicossocial).
Então amamentar exclusivamente por seis meses garante saúde no futuro?
Uma das partes da recomendação da OMS sobre o aleitamento materno é que a partir do sexto mês de vida, a criança tenha uma introdução de alimentação complementar saudável e equilibrada, mas mantendo e não substituindo a amamentação. É uma alimentação complementar.
Mas isso é muito complicado, né? Depende de muitos fatores. Com certeza, assim como manter a amamentação exclusiva até os seis meses de vida.
Uma das bases que pode ser seguida é o “Guia alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos de idade”, do Ministério da Saúde (2.019). Algumas frases presentes logo no início do guia mostram a importância e as dificuldades dessa proposta.
1. A saúde da criança é prioridade absoluta e responsabilidade de todos.
2. O ambiente familiar é espaço para a promoção da saúde.
3. Os primeiros anos de vida são importantes para formação dos hábitos alimentares.
4. O acesso a alimentos adequados e saudáveis e à informação de qualidade fortalece a autonomia das famílias.
5. A alimentação é uma prática social e cultural.
Outro parágrafo fundamental do guia aponta que:
“Alimentos in natura ou minimamente processados devem ser a base da alimentação da criança e de toda família, ou seja, a maior parte dos alimentos consumidos devem ser desse grupo.”
Complicadésimo. Alguém já viu publicidade com marketing de alimentos in natura ou minimamente processados? Não sabe o que é? Eu ajudo aqui. Qual foi a última propaganda que você viu que abordava algum desses produtos (sem marcas):
Feijões de todas as cores, ervilha, lentilhas, grão-de-bico, arroz branco, integral, milho em grão ou na espiga, batata, mandioca, frutas frescas, ovos... deu pra entender, né?
Em compensação o marketing de vendas de “comida” ultraprocessada... afffffeeee...
Desses, com certeza você já viu (e pode até ter comprado...):
Refrigerantes, bebidas com sabor de chocolate e sabor de frutas, bebidas “energéticas”, salgadinhos de pacote, sorvetes, chocolates, balas, guloseimas, pães doces, para hambúrguer ou hot dog, biscoitos, bolos, achocolatados, iogurte com sabores, compostos lácteos, salsicha, hambúrguer, macarrão instantâneo...
Não oferecer alimentos ultraprocessados para a criança.
Parece simples. Só que não. Mas essa é uma recomendação fundamental para que possamos evitar as chamadas DCNT (Doenças Crônicas Não-Transmissíveis) – sobrepeso, obesidade, hipertensão, diabetes, dislipidemias (colesterol e triglicérides alterados).
Isso quer dizer que seguir todo o “pacote amamentação” certinho não protege a criança e seu futuro se a festinha de 3 anos, por exemplo, for comemorada em um fast-food e se isso se transformar em “rotina alimentar”.
De qualquer forma, amamentar faz diferença
Um estudo recente feito na Escócia com 2.730 mães, publicado no Maternal & Child Nutrition, relacionou a duração da amamentação com a introdução de alimentação complementar, diversificação da dieta, desenvolvimento de habilidades alimentares e sua relação com fatores sociais e culturais.Para esse estudo, foram consideradas práticas não saudáveis:
- Introdução alimentar antes dos 6 meses;
- Consumo de qualquer bebida açucarada;
- Lanches doces ou salgados (guloseimas);
- Consumo regular de alimentos comerciais para bebês.
Os dados mostraram que 20% das crianças foram alimentadas apenas com fórmula infantil e 48% amamentaram (leite materno) até pelo menos 6 meses.
O grupo de mães que amamentou por 6 meses ou mais teve maior probabilidade de iniciar a alimentação complementar acima dos 6 meses em comparação com os que receberam fórmulas (66% vs. 37%), menor probabilidade de dar guloseimas (15% vs. 45%), de oferecer bebidas açucaradas (11% vs. 20%) e alimentos comerciais para bebês (31% vs. 53%).
As mães de bebês amamentados até pelo menos 6 meses tinham práticas de alimentação complementar mais saudáveis do que as mães que ofereciam as fórmulas, independentemente de avaliação socioeconômica e da idade materna e mantendo dieta igualmente diversificada e capacidades alimentares semelhantes. A amamentação recomendada a todas as crianças desde o parto e exclusiva até o sexto mês pode ter efeitos benéficos na continuidade da alimentação e nutrição infantil saudável.
O caminho é longo, com desafios, obstáculos e precisa de informação, determinação e superação.
Frase atribuída ao Barão de Itararé (falso título de Apparício Fernando de Brinkerhoff Torelly ou Apporelly):
“Tudo seria fácil se não fossem as dificuldades.”
Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545