Do BLOG da Editora Timo
por Dr. Moises Chencinski - colunista
14/03/2024
Já existe o tema a ser trabalhado para a 33ª Semana Mundial de Aleitamento Materno. Ainda não há uma tradução oficial para o português. No site da WBW (World Breastfeeding WEEK), já se encontram algumas informações importantes sobre a proposta da WABA (World Alliance for Breastfeeding Action) para 2.024.
Em inglês, o tema é “Closing the Gap. Breastfeeding Support for All”. Alguns países já enviaram as suas traduções para os logos, em espanhol (Cerrando la brecha: Apoyo a la lactancia materna en todas las situaciones), alemão (Estruturas amigas da amamentação – para todos), lituano (Reduzimos o isolamento - Apoio à amamentação para todos) e lugandês (Fechando a Lacuna – Ajudando a Amamentação para Todos).
São os que estão lá por enquanto, além do original em inglês, mas já dá para se ter uma ideia de como estão pensando em abordar as propostas.
Há uma avaliação de que há lacunas, falhas, brechas que precisam ser reduzidas, corrigidas, fechadas e projetos de apoio, ajuda a todos e em todas as situações.
Vale reforçar que a WABA é uma organização que analisa e define recomendações que devem atingir o mundo todo, com suas peculiaridades, mas com metas abrangentes, gerais, sem um foco específico em um ou outro país, sem estabelecer planos mais direcionados, individualizados.
Entre as 32 semanas mundiais anteriores, muitas questões relevantes foram levantadas, discutidas, analisadas e abordadas nos planejamentos da WABA. E nos próximos anos, ainda teremos muitos temas a serem observados para que se consiga atingir cada vez mais mães, bebês e famílias com informações e condições de se chegar a uma taxa de aleitamento materno possível e que faça, de fato, a diferença na saúde materno-infantil.
Mas é uma batalha insana, sem descanso, que não tem e não terá fim porque os obstáculos, os desafios são imensos e os “adversários” são poderosos, ardilosos, incansáveis e insaciáveis.
Sobrevivência: A amamentação melhora significativamente a sobrevivência de bebês, crianças e mães.
Saúde e bem-estar: A amamentação melhora significativamente a saúde, o desenvolvimento e o bem-estar dos bebês e das crianças, bem como das mães, tanto a curto como a longo prazo.
Informação que, apesar de fundamental, não tem sido suficiente para proteger, apoiar e promover o aleitamento materno de forma eficaz, pelo menos nos números divulgados.
Um respiro para o dicionário e para a gramática
Singular:
- Que não tem igual ou semelhante, único de sua espécie ou gênero; distinto, ímpar.
- LÓG. Que se aplica a um único sujeito.
Na gramática:
Singular é quando a palavra se refere a um só elemento. Plural é quando a palavra se refere a mais de um elemento.
Exemplos:
- Você já leu em algum lugar sobre a Semana Mundial de Aleitamentos Maternos?
- Alguma vez alguém se referiu a desafios das amamentações?
Então, quer seja pelo dicionário, quer seja pela gramática, a amamentação e o aleitamento materno são singulares.
Mas a pluralidade deve existir nas ações. Projetos, políticas públicas, ensino, controle do marketing, conflitos de interesses, investimentos, legislação... Tudo isso (e muito mais) é necessário e importante. Mas tem sido suficiente?
Será que essas ações, tão relevantes para tentar abranger todas as lactantes, chega a cada uma delas de forma eficiente?
Embora as ações coletivas sejam a base para se analisar e propor soluções para qualquer questão, existem situações em que o trabalho tem que ser individualizado.
A licença-maternidade estendida até os seis meses é muito importante para que se mantenha o aleitamento materno exclusivo até o sexto mês de vida do bebê. Mas, essa política pública tem algum alcance para as mulheres que querem amamentar seus bebês e trabalham em serviço informal?
Assim, ou se promove uma nova política focada também nesse “mercado”, tentando a inclusão de todo esse coletivo de mulheres trabalhadoras, ou haverá um risco imenso de não se atingir as metas propostas e, mais uma vez, a abordagem terá que ir para o singular – cada mãe, com sua situação particular tendo que ser acolhida, apoiada, protegida e orientada.
Coletivo ou plural? Onde está a pegadinha?
Ué, mas não é a mesma coisa? Cada dia que passa fico mais encantado com a riqueza do nosso idioma.
Plural
Que contém, indica ou consiste em mais de um. Que apresenta ou engloba vários aspectos e dimensões; múltiplo, variado. Diz-se de ou número gramatical que designa mais de uma pessoa ou coisa, bem como a pluralidade dos nomes contáveis.
Coletivo
Que é intrínseco à natureza de um grupo; que é inerente ou pertence a um povo, uma classe etc. Substantivo comum que, no singular, indica uma coleção de seres da mesma espécie. Aquilo que remete a ou é do interesse de uma coletividade.
Perceberam as diferenças? A principal é que o plural é de muitos e o coletivo é de um grupo mais específico. E a minha sensação é que, no que diz respeito à amamentação, temos muito pensamento plural e insuficiente coletivo.
Ainda quero ver uma ação de política pública que parta de uma pesquisa questionando e respeitando as necessidades e as prioridades de cada mãe singular e que possa beneficiar o coletivo materno, ou até uma análise crítica que demonstre até se isso é possível.
Mas e os profissionais de saúde? Singular, plural ou coletivo?
No curso básico de Medicina (6 anos), em 10.000 horas-aula, há 15 horas dedicadas ao ensino de nutrição infantil. Nesse período sobra um pouquinho para o tema do aleitamento materno.
O documento de Demografia Médica no Brasil de 2.023 mostra que em um total de 495.716 especialistas registrados em 2.022, 48.654 eram pediatras (9,8% do total). Isso significa que 90,2% dos médicos especialistas nunca mais terão em sua grade curricular (residência médica, especialização) qualquer informação sobre aleitamento materno.
Na própria residência médica na especialidade de Pediatria, a carga dedicada ao ensino e, principalmente, às práticas de aleitamento materno e bancos de leite é mínima. Segundo a RESOLUÇÃO CFM Nº 2.330/2023, além da especialidade Pediatria, são reconhecidas 17 áreas de atuação do especialista, entre eles Alergia e imunologia, Cardiologia, Emergência, Infectologia. Pelas características, apenas na Neonatologia e Nutrologia há uma carga horária (mínima e insuficiente) destinada ao aleitamento materno.
Apesar de toda a complexidade e necessidade de ações multiprofissionais, o ALEITAMENTO MATERNO não é uma especialidade e nem uma área de atuação da Pediatria.
Assim, o pediatra (e posso expandir para qualquer profissional de saúde materno-infantil – fonoaudiologia, nutrição, odontopediatria, fisioterapia, enfermagem, entre outro) que queira atuar na área materno-infantil, protegendo, apoiando e promovendo a amamentação, terá que buscar, individualmente, esse aperfeiçoamento.
E se eu quiser estender essa abordagem ao conhecimento e atuação na legislação e políticas públicas relacionadas ao aleitamento materno, por exemplo, esse número de profissionais (todos) se reduz assustadoramente e NBCAL, Código Internacional de Comercialização de Substitutos do Leite Materno, resoluções da OMS sobre controle de Marketing, direitos trabalhistas das mulheres que amamentam são apenas “algo que se ouviu falar e que se sabe que existe”.
Singular, plural ou coletivamente ainda falta muito, mas põe muito nisso, para atingirmos o que se deseja e o que seria necessário (suficiente difícil) para que o aleitamento materno cumpra a sua natureza.
Mas, existe uma modesta evolução. Eu sinto assim. E, quem sabe com esforços individuais e gerais possamos, mais cedo ou mais tarde, chegar lá, atingir. Será?
Afinal, inspirado em Fernando Pessoa:
“Tenho em mim todos os sonhos do mundo”.
Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545