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O médico, o marketing e as leis

Do BLOG da Editora Timo

por Dr. Moises Chencinski - colunista

22/05/2024

Não se pode alegar desconhecimento, mesmo com muitas leis em diversas áreas.
É difícil entender, o que torna difícil cumprir direitinho.
E vale ressaltar que ninguém está acima da lei.

Olha só o que está no dicionário:

Regra jurídica, de enunciado claro e conciso, estabelecida por uma autoridade constituída, o legislador, que tem seu poder delegado pela soberania popular”.

Enunciado claro e conciso!?!?!?!?!? Agora conta a do papagaio...

E escrever um texto sobre isso que seja claro, não muuuitooo chato, informativo e de interesse, que te prenda até o final ... quase uma missão impossível.

E apesar de ser sobre profissionais, ele deve interessar a quem é médico ou não, pediatra ou não, mãe e pai ou não... entendeu, né?

Atualmente, a mídia digital é regida pelos influenciadores. E para ser influenciador é necessário... dominar técnicas de comunicação, marketing e ferramentas das redes sociais, conquistar seguidores e, assim, influenciar.

Recomendo a leitura do texto de Bruno Astuto, publicado na Revista Ela (O Globo em 31/12/2023) e divulgado no site aleitamento.com. Acompanhem:
- Influenciador não é profissão.
- As redes sociais deram voz aos excluídos.
- Influenciar não é o primeiro passo de um comunicador.

E a recomendação final é ...

- Agir a serviço do outro, não do ego. Eis a única maneira pela qual um verdadeiro comunicador pode evitar ser confundido com os trapaceiros: levantar-se da cama não para influenciar, mas para inspirar.

De acordo com as palavras do Dr. Marcus Renato de Carvalho, pediatra e criador do site aleitamento.com:
“O influenciador está focado em criar posts para atrair e entreter sua audiência, com o objetivo principal de obter seguidores, curtidas (os famosos “likes”) e #publi (patrocinadores), mas sem uma formação oficial ou qualquer certificação e sem a obrigação de seguir nenhum código de ética”.

Um estudo anual (Digital 2.024, publicado em janeiro) mostra dados mundiais e de cada país sobre o acesso em todas as redes e, em particular, da movimentação financeira em relação às redes sociais. Em 2.023, no Brasil, as empresas investiram 2.320 bilhões de dólares em publicidade nas mídias sociais e, desses, 410 milhões de dólares em influenciadores, com um crescimento anual de 14% (50 milhões de dólares ao ano). Dá pra começar a entender?

Mas e os médicos?

Aí a coisa muda. E muito.

Todos os profissionais precisam conhecer e seguir regras, leis e códigos que regem sua atuação, sua atividade em suas especialidades, sua relação com os profissionais da sua área, outros profissionais, pacientes e suas famílias e até regulamentam seu contato com a imprensa e com as mídias sociais (esse é punk).

E esse texto é principalmente sobre isso. Afinal, Instagram, TikTok, Reels, Face, YouTube são, hoje em dia, alguns dos principais meios de comunicação entre os profissionais de saúde e o “público” em geral (incluindo outros profissionais de saúde) e a utilização dessas redes sociais têm certas (muitas) normatizações, algumas muito sutis, que devem reger essa “convivência”.

Vale lembrar que tudo o que vai ser abordado aqui é aberto para todos, sem exceção, para leitura mais ampla. É só acessar os links.

O Código de Ética Médica (CEM)

última versão do CEM é de 2.019 e, como as anteriores, tem um capítulo (o XIII – lógico que em algarismos romanos) dedicado à Publicidade Médica. Vai ficar muito claro, por que razões os médicos não aparecem tanto assim nas propagandas e publicidades.

Muitas vezes, o médico é assediado pela indústria para fazer uma #publi ou ser um “porta-voz” de algum medicamento ou equipamento. Ele é um profissional de confiança e transmite seriedade e credibilidade ao produto ao qual ele é ligado. Mas, será que isso é permitido ou ético?

Vejam só alguns artigos do que é vedado ao médico:

Art.111-Permitir que sua participação na divulgação de assuntos médicos, em qualquer meio de comunicação de massa, deixe de ter caráter exclusivamente de esclarecimento e educação da sociedade (nossa “missão” é informar e orientar e não fazer publicidade).

Art.112-Divulgar informação sobre assunto médico de forma sensacionalista, promocional ou de conteúdo inverídico (olha as fake news aí, gente).

Art.113-Divulgar, fora do meio científico, processo de tratamento ou descoberta cujo valor ainda não esteja expressamente reconhecido cientificamente por órgão competente (cloroquina e ivermectina?).

Art.115-Participar de anúncios de empresas comerciais, qualquer que seja sua natureza, valendo-se de sua profissão (qualquer empresa).

Tem muito mais (tá no link acima para quem quiser conhecer), mas, só com essas já dá pra ter uma ideia de como é complicado ser ético nas nossas participações nas redes sociais.

 

Manual de Publicidade Médica

Essa é uma Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM), bem mais recente (2.023), com o Manual de Publicidade Médica, e dispõe sobre publicidade e propaganda.

Também vou selecionar alguns pontos para que se compreenda como o médico precisa ter cuidados no que divulga, pelos riscos de gerar consequências graves através de suas informações e orientações.

Art. 1º Para fins desta Resolução, entende-se por publicidade ou propaganda médica a comunicação ao público, por qualquer meio de divulgação da atividade profissional, com iniciativa, participação e/ou anuência do médico, nos segmentos público, privado e filantrópico (iniciativa, participação e/ou anuência – ele é responsável, também, por sua participação consensual em mídias sociais de outras pessoas, não necessariamente médicos).

Art. 8º § 1º Para efeito de aplicação desta Resolução, são consideradas redes sociais próprias: sites, blogs, Facebook, Twitter, Instagram, YouTube, WhatsApp, Telegram, Sygnal, TikTok, LinkedIn, Threads e quaisquer outros meios similares que vierem a ser criados.

E aí vamos novamente a alguns dos pontos que são proibidos para o médico.

Art. 11.

IV-participar de propaganda/publicidade de medicamento, insumo médico, equipamento, alimento e quaisquer outros produtos, induzindo à garantia de resultados;
V-conferir selo de qualidade, ou qualquer outra chancela, a produtos alimentícios, de higiene pessoal ou de ambientes, material esportivo e outros por induzir a garantia de resultados;

§ 2º Entende-se por sensacionalismo:
f) usar de forma abusiva, enganosa ou sedutora representações visuais e informações que induzam à percepção de garantia de resultados. 

Mas o médico tem direito de:

Art.13-utilizar qualquer meio ou canal de comunicação não próprio, quando convidado, para dar entrevistas e publicar artigos sobre assuntos médicos, com finalidade educativa, de divulgação científica, de promoção da saúde e do bem-estar públicos, desde que respeitadas as proibições previstas nesta Resolução.

Sempre que aparecer algum médico, em qualquer publicidade própria ou de outros, é importante ter atenção à mensagem transmitida. Ela deve ser apenas informativa.

Ah, então ele não pode vender cursos e livro seus, quer sejam de sua área de atuação (médico) ou pessoal?
Desde que respeite as recomendações do Código de Ética Médica e do Manual de Publicidade Médica, não existe nenhum problema. É uma atividade lícita e ajustada aos tempos “modernos”.

E a última abordagem fundamental, que deveria ser do conhecimento e ter a atenção de todos os profissionais de saúde materno-infantil diz respeito ao aleitamento materno / amamentação.

Norma Brasileira de Comercialização de Alimentos para Lactentes e Crianças de Primeira Infância, Bicos, Chupetas e Mamadeiras (NBCAL)

Nome longo e aparentemente complexo, que traz à tona um dos maiores desafios à amamentação no Brasil e no mundo: o Marketing das indústrias, aqui especificamente relacionado ao aleitamento materno.

Isso não é de hoje. Em 1981, a OMS publicou o Código Internacional do Marketing de Substitutos de Leite Materno, aprovado na 34ª Assembleia Mundial de Saúde (118 votos a favor – Brasil entre eles, 1 contra – Estados Unidos – surpresa nenhuma – e 3 abstenções - Argentina, Coreia e Japão).

Em junho de 2.023, o Brasil, através do Ministério da Saúde, participou do congresso mundial que discute proteção legal do aleitamento materno, na sede da Organização Mundial da Saúde (OMS) em Genebra, Suíça, pela sua tradição no campo da proteção da amamentação.

E, apesar do Código, aqui no Brasil, a evolução não foi tão favorável. Aliás, hoje, se você colocar na busca do Google “Código da OMS”, o primeiro entre 52 milhões de resultados pode te surpreender (ou não, testa lá).

E após muitas tentativas, muitas propostas, algumas leis e muita, muita luta e resistência, foi aprovada a lei Nº 11.265, (03/01/2006) a NBCAL, que “regulamenta a comercialização de alimentos para lactentes e crianças de primeira infância e também a de produtos de puericultura correlatos”. Gosto da forma que essa Cartilha, de 2.021, que está no site da IBFAN (International Baby Food Action Network – em português Rede Internacional em Defesa do Direito de Amamentar), divulga a NBCAL.

Que fique claro que a questão não é contra a própria indústria, contra os produtos fabricados ou contra os funcionários que nela trabalham. O problema é o uso abusivo do marketing dessas indústrias que influencia, de forma até agressiva, os profissionais de saúde materno-infantil e as mães.

Isso fica claro quando se analisam os sete princípios da IBFAN, mas especialmente esse:

6. Profissionais de saúde e consumidores têm direito de serem protegidos de influências comerciais que podem distorcer seus julgamentos e decisões.

E, assim como eu ressaltei alguns artigos do Código de Ética Médica e do Manual de Publicidade do CFM, quero assinalar alguns da NBCAL (são muitos, mas vou me esforçar para selecionar) para conhecimento (os que ainda não leram), reflexão e até conscientização sobre a gravidade das atitudes apontadas por essas leis. Tenho certeza de que vocês conhecem profissionais que, quer seja por desconhecimento (o que não é aceitável), quer seja por descaso (menos admissível ainda) ou por desrespeito consciente ou qualquer outro benefício (sem comentários), transgridem essas normas.

artigo 2 explica a abrangência da lei e se aplica à comercialização e às práticas correlatas, à qualidade e às informações de uso de produtos, fabricados no País ou importados. Acreditem. Não é só à fórmula infantil. Vai além. Sem contar bicos, chupetas e mamadeira. Quem trabalha com aleitamento materno não deveria fazer publicidade da “concorrência”.

O capítulo 2 aborda as questões mais delicadas: Do Comércio e da Publicidade.

Um dos artigos mais controversos, mais tentados e até praticados é o 8 que mostra que é vedado (proibido):

Art. 8º Os fabricantes, importadores e distribuidores dos produtos de que trata esta Lei somente poderão conceder patrocínios financeiros ou materiais às entidades científicas de ensino e pesquisa ou às entidades associativas de pediatras e de nutricionistas reconhecidas nacionalmente, vedada toda e qualquer forma de patrocínio a pessoas físicas.

Quando uma empresa patrocina ou favorece algum profissional de saúde com almoços ou jantares, inscrições, estadias, viagens para congressos, ou qualquer brinde, fica caracterizado o que se chama de conflito de interesses. Mesmo que o profissional se considere isento a esse tipo de influência, aceitar qualquer benefício desse tipo de empresas é considerado uma infração à lei e é passível de denúncia e punição de acordo com a legislação.

E pra (quase) terminar

Após essa (acreditem) resumida explicação e exposição de apenas desses 3 instrumentos de lei, espero ter esclarecido o porquê de todo o cuidado que um médico deve ter quando se relaciona com as redes e mídias sociais, com a imprensa, com os outros colegas de profissão, mas, principalmente, com as mães e seus bebês. Somos totalmente responsáveis pela prevenção e cuidados de saúde de quem nos procura pela confiança inspirada e a nossa influência precisa seguir as leis e a ética, sem qualquer conflito de interesses.

Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545