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O que fazer quando é necessário interromper a amamentação?

10/05/2024

Sim, você já viu outra matéria aqui, com a mesma temática.

Recebi recentemente 4 questionários (gostei bastante das perguntas), sobre 4 temas que achei bem práticos e interessantes e, dessa vez, ao invés de gravar, resolvi escrever as respostas (também gostei bastante das respostas kkkkk). 

As matérias foram publicadas e eu vou trazer aqui as minhas respostas. Essas estarão com a minha cara, com a minha voz. 

Então quero começar com essa:

Como secar o leite materno - em situações inevitáveis

Segue aqui.

Introdução

Por mais natural que devesse ser, a amamentação é envolta em mitos e tabus desde sempre. E mesmo no século XXI, mesmo já na era da informática, o aleitamento materno ainda não consegue ser uma unanimidade em toda sua extensão, nem entre as mães, nem na sociedade e nem entre os profissionais de saúde. Amamentação “prolongada”, em público, volta ao trabalho, sexualidade são alguns desses tabus que permeiam a amamentação.

Apesar de ser uma Portaria desde 1993, que trata do Alojamento Conjunto, ser reforçada em outra Portaria em 2014 (então é lei), e ser o passo 4 dos “Dez Passos para o Sucesso do Aleitamento Materno”, lançado em 1991 pela OMS e pelo  UNICEF, atualizados em 2018 (recomendação), a amamentação na 1ª hora de vida acontece apenas para 62,4% das crianças no Brasil, segundo o ENANI-2019.

E se a amamentação já é um tema árduo, mas muito necessário, falar sobre desmame é muito mais espinhoso. O processo de aleitamento tem um começo e terá um fim, em algum momento, quer seja ele oportuno e natural ou abrupto e desconfortável para lactantes e lactentes. E parece que o desmame significa a derrota da amamentação e não uma parte de um processo natural, que pode ou não seguir as recomendações da OMS (desde a primeira hora de vida até 2 anos ou mais).

São inúmeros os fatores que podem contribuir para ampliar ou encurtar essa proposta e o envolvimento e informação da família, da sociedade, dos profissionais de saúde, dos governos, das leis podem definir várias questões desse processo.

Até no Google, se você procurar o termo amamentação traz quase 60 milhões de resultados, enquanto desmame traz cerca de 3,5 milhões. Ainda é um tema difícil.

1- Sabemos que o aleitamento materno é muito importante, mas há situações em que secar o leite se torna uma necessidade inevitável, como num tratamento de câncer, certo? Poderia citar outras situações?

Existem situações nas quais a amamentação não é possível, ou é contraindicada ou é até não desejada.

Alguns quadros podem impedir a amamentação de forma definitiva. Mulheres infectadas com os vírus HIV (vírus da Aids) ou HTLV (vírus que afeta a imunidade das pessoas) não devem amamentar, pois existe o risco de esses vírus serem transmitidos para a criança pelo leite materno. Mães com câncer de mama e em tratamento com determinados medicamentos após a resolução do caso também devem suspender a amamentação.

Já as mães que sejam usuárias regulares de drogas ilícitas (maconha, cocaína, crack, anfetamina, ecstasy e outras) não devem amamentar seus filhos enquanto estiverem fazendo uso dessas substâncias e, mesmo depois disso, requerem um acompanhamento e um apoio importantíssimo para que o bebê não corra mais riscos. Quando uma lactante recebe a vacina de febre amarela, se o bebê tiver menos de 6 meses, a amamentação deve ser suspensa pelo período de 10 dias.

São poucos os medicamentos em uso pela mãe que indicam a suspensão da amamentação. De qualquer forma, cada situação precisa ser avaliada pelo pediatra, em consulta, para que seja feita a melhor orientação, visando a saúde da dupla mãe-bebê.

Quando a suspensão da amamentação for transitória, se for possível deve-se orientar a mulher para tentar retirar o seu leite e armazenar, de acordo com as recomendações da RDC-171 (por exemplo, mantido 12 horas na geladeira e até 15 dias congelado) antes da suspensão, para que ele seja oferecido à criança durante esse período. Além disso, para as mães que assim o desejarem, é importante que se orientem os estímulos para manter a produção do leite (retiradas de leite regulares, nos horários em que a criança costumava mamar) para que ela possa retomar o processo de aleitamento materno após o período da suspensão.

Outro tabu que precisa ser mais bem estudado para que se possa oferecer orientação e apoio fundamentais à mãe é quando acontece o óbito do bebê durante o período da amamentação. Nesse caso, há necessidade de acompanhamento da questão “clínica”, da emocional, afetiva, com toda a atenção ao processo de luto que envolve essa situação.

2- Apenas parar de amamentar/bombear basta para que o leite seque? Nesse caso, a espera “natural” tende a levar quanto tempo?

Pensando-se na amamentação como um processo natural, fisiológico, tanto o seu começo quanto o seu fim podem ser respeitosos, de acordo com o desejo de mães e bebês.

Uma mulher é capaz de amamentar, de forma natural (o que não quer dizer que seja fácil ou simples) dois bebês, de forma exclusiva até o 6º mês. Isso pode acontecer em gestação de gêmeos ou no processo conhecido como amamentação em Tandem (quando a lactante amamenta o recém-nascido mantendo o aleitamento materno do filho mais velho, após até manter a amamentação durante a gestação – lactogestação).

Assim, quando se aborda o desmame, é importante entender que assim como o estímulo pela mamada em livre-demanda é fundamental para o estabelecimento do processo de amamentação, a suspensão do estímulo (pela sucção ou bombeamento para extração), de forma “programada”, fisiológica, faz parte da passagem para uma outra fase do desenvolvimento dessa criança.

E cada mãe, cada bebê, terá seu próprio tempo para que tudo se transforme e se atinja um novo equilíbrio, sem a participação do leite e da amamentação. Não há uma regra. Essa é uma transição necessária, mas que merece a atenção individualizada, especialmente quando pode ser programado.

O acompanhamento do profissional de saúde mateno-infantil é essencial em toda essa trajetória, “do mame ao desmame”, sempre ao lado da mãe e da família.

3- Quais são os métodos mais recomendados? Existe uma via medicamentosa?

Vale sempre lembrar que o desmame é uma fase da amamentação que pode acontecer, conceitualmente, em duas situações:

- Desmamar para: é quando se introduz algum outro tipo de alimento que desfaz a exclusividade do aleitamento materno, mesmo que esse continue. É quando o bebê começa a fazer sua introdução alimentar (ou até de água), desejável e aceito a partir do 6º mês de vida.

- Desmamar de: significa a interrupção definitiva do aleitamento materno, independentemente da idade, e representa uma transição do desenvolvimento, uma mudança da forma de se alimentar da criança.

Existem alguns sinais que podem nos indicar um momento mais ajustado (não necessariamente ideal) para o desmame (do livro Aleitamento Materno na Era Moderna – Vencendo Desafios – do departamento Científico de Aleitamento Materno da Sociedade de Pediatria de São Paulo):

- Idade da criança nunca inferior a 1 ano (preferencialmente aos 2).
- Aceitação de outros alimentos.
- Menor interesse nas mamadas.
- Serenidade por outras formas de conforto, sem demonstrar ansiedade quando não amamentada.
- Relação segura com a mãe, concordando em não ser amamentada em algumas situações (locais, horários, frequência) e aceitando “uma troca” por brincadeiras, leituras ou até mesmo não sugar o peito para dormir.

A primeira e mais desejável forma de desmame é a chamada oportuna, ou gentil, ou respeitosa, em que o lema pode ser: “Não oferecer. Não negar”. Essa pode ser uma das técnicas orientadas

Do mesmo livro, gosto dessa abordagem:

A questão central não está em substituir o LM como nutriente, mas o amamentar como colo, proximidade e aconchego. A rede de apoio é fundamental nessa transição, com participação em brincadeiras, jogos, leitura, passeios, propiciando, nessa “troca”, algo que mereça a atenção da criança e seja prazeroso. Estimular a participação do pai, da companheira ou do companheiro nesse processo.”

Assim como amamentar requer uma rede de apoio, o desmame também pede essa abordagem.

Amamentar é um processo. O desmame também é. E ele vai ter um ritmo específico para cada dupla mãe-bebê. E que ninguém seja ingênuo a ponto de pensar que “só porque ele foi respeitoso, a seu tempo” todos estão livres da dor, da sensação de despedida. É um processo. É um “luto” necessário para um renascimento. O desmame representa um marco que deve ser natural no desenvolvimento físico e emocional do bebê, sempre com a segurança e a conexão com a mãe.

Há outras técnicas que podem e devem ser orientadas apenas pelo pediatra ou pelo profissional que acompanha essa passagem. Mas, nem sempre existe a possibilidade de esperar esse tempo ou de respeitar o andamento desse luto e pode ser necessário utilizar de apoio medicamentoso para a supressão da lactação. Existem “tratamentos” para isso, mas que também requerem um acompanhamento do profissional para observação e detecção e possíveis efeitos indesejáveis da administração desses medicamentos.

4- A técnica de enfaixar os seios pode ser recomendada? Se sim, de que forma ela funciona?

A amamentação é uma questão multifatorial, requer a ação de uma equipe multiprofissional e sofre influências culturais, sociais, educacionais, políticas, legislativas entre muitas outras.

Amamentar não é simples, não é fácil. Desmamar também não é, até por ser uma parte do mesmo processo. Através do tempos, muitas “técnicas” foram passadas de geração em geração para que a criança assuma a responsabilidade de dizer: “Não quero mais mamar”.

Entre essas, pode-se citar passar substâncias amargas, pimenta no seio para que a criança o rejeitasse ao experimentar. Colocar um curativo para mostrar ao bebê que o seio está “dodói” e precisa se recuperar.

Até acontece de um bebê “desmamar” sua mãe, o que normalmente gera uma reação de estranheza pelo inesperado da situação. Mas essa não é a regra. Por mais doloroso que seja, no corpo, na alma e no coração, o discernimento, a iniciativa e a ação do desmame devem ser da mãe.

Mas, mesmo após o desmame, a produção e a saída do leite podem levar algum tempo para cessar e essa situação pode gerar desconforto na mulher. Não é de imediato que a falta da estimulação física (sucção ou extração de leite) determina o final do processo. Ainda existem questões hormonais, emocionais, psicológicas envolvidas que podem manter essa fase por algum tempo.

Para reflexão, é como quando uma mãe que está na fase de amamentação sai para, por exemplo, fazer compras no supermercado e na fila do caixa, mesmo sem o bebê por perto, o leite “resolve” ser produzido e sair. Quem nunca?

Entre os procedimentos, um dos utilizados é o enfaixamento ou a bandagem nas mamas. A Portaria que aprova o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Prevenção da Transmissão Vertical do HIV, Sífilis e Hepatites Virais, “tem por objetivo orientar o manejo das mulheres e suas parcerias sexuais quanto às Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) de potencial transmissão vertical”.

Entre as orientações para supressão da amamentação, já na maternidade, aborda-se a questão do Enfaixamento das mamas:

O procedimento consiste em realizar compressão das mamas com atadura, imediatamente após o parto, com o cuidado de não restringir os movimentos respiratórios ou causar desconforto materno. O enfaixamento é recomendado por um período de dez dias, evitando-se a manipulação e estimulação das mamas. A adesão é baixa, especialmente em países de clima quente, e sua efetividade é questionável.”

Essa é uma das técnicas, uma das possibilidades, a serem utilizadas em algumas situações. Mas não se iludam achando que é só enfaixar a mama e pronto. Requer conhecimento, informação, prática e ciência.

Assim, para essa proposta, procurem profissionais habilitados e capacitados a realizarem o procedimento, como enfermeiras, consultoras de amamentação, por exemplo.

5- Durante esse processo para secar o leite, pode haver incômodos, vermelhidão, uma possível mastite ou algo assim? Quando é preciso buscar avaliação médica?

Sempre vale ressaltar que aleitamento materno deveria ser, se não uma especialidade pediátrica, pelo menos uma área de atuação na pediatria (e em outras especialidades), tamanha a quantidade de informações e de conhecimento necessários para que uma mulher seja atendida, acompanhada e apoiada no seu desejo de amamentar.

A amamentação é uma questão multifatorial e, para isso, requer a ação de uma equipe multiprofissional (acho que já falei sobre isso algumas vezes).

Apesar de a amamentação e o desmame serem fisiológicos, ou seja, fazem parte do “funcionamento normal dos seres vivos e, em geral, os processos físico-químicos que ocorrem nas atividades vitais” (do dicionário), é indispensável o reconhecimento de quando as “coisas não estão correndo bem”. E, após essa avaliação, a orientação e, se necessário, o encaminhamento precoce ao profissional habilitado a resolver esse desafio pode determinar a continuidade ou suspensão do aleitamento materno.

Como já foi citado, o fato de não haver mais a estimulação (sucção ou bombeamento para extração) pode não significar uma interrupção da dinâmica da produção de leite materno. Isso nos leva a uma “encruzilhada”, a um dilema.

O bebê não mama mais.
O leite continua a ser produzido.
Se a mãe extrair esse leite, o cérebro pode identificar que esse é um estímulo e manter a produção. Se a mãe não extrair esse leite, ele pode se acumular, levando a obstrução de ductos, ingurgitamento mamário e até a uma mastite.

Essa é mais uma das razões pelas quais o desmame merece ser acompanhado por profissionais que conheçam a dinâmica. Qualquer sinal de desconforto deve ser comunicado ao médico o quanto antes. Uma mãe que amamenta já conhece e, possivelmente, já passou, em alguma fase, por fissuras, mamas ingurgitadas, mastites e até abscessos. E essa mãe já sabe que a abordagem mais demorada e mais tardia pode trazer maiores complicações.

6- Receitas populares, como o uso de repolho no seio para “sugar” o leite, têm algum fundamento científico?

Muitos dos procedimentos científicos e dos estudos têm como base a cultura popular. E mesmo que eles não sejam comprovados cientificamente, sempre haverá aquela pessoa que dirá: “Para mim funcionou. Foi tiro e queda”.

Aqui, cabe mais uma frase que precisa sempre ser lembrada:

Experiência pessoal não é evidência científica.

O fato de ter “funcionado” para uma ou outra ou muitas pessoas não quer dizer que exista uma relação causa e efeito definitiva. Sempre pode haver muitos fatores envolvidos.

O Protocolo 36 sobre Mastites da ABM (Academy of Breastfeeding Medicine) traz a seguinte informação:

Considere gelo para alívio sintomático. Os estudos não demonstraram que folhas de repolho são mais eficazes do que o gelo, sugerindo que o benefício terapêutico é relacionado à vasoconstrição pelo frio, em vez de um propriedade do próprio repolho. É importante ressaltar que o repolho pode carregar a bactéria Listeria”.

Assim, nem para mastites, nem para “sugar” o leite a folha de repolho tem ação comprovada cientificamente, mesmo que alguns poucos estudos tenham chegado a essa conclusão.

Por mais que possa parecer repetitivo, o acompanhamento de profissionais habilitados e capacitados, sempre que possível, é um grande aliado no sucesso do cuidado da saúde materno-infantil.

Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545