14/05/2024
Seguindo a saga: "Sim, você já viu outra matéria aqui, com a mesma temática" e trazendo as perguntas e respostas que eu tive para 4 matérias no site da Revista Crescer, vem agora s segunda delas.
Mais um tema atual, nem sempre abordado em consultas.
Perturbação na amamentação: o que é e o que fazer
A primeira vez que ouvi falar sobre perturbação na amamentação, a imagem que me veio foi a daqueles “chatos” que não podem ver uma mãe amamentar em público, ou amamentar crianças que já andam ou falam, que já têm dentes, e que sempre têm uma “dica” a mais ou até uma forma melhor de fazer aquilo que a lactante já está fazendo e fazem questão de expor, mesmo que não tenham sido solicitados.
Isso perturba mesmo a amamentação. E a mãe que está amamentando. E, muitas vezes, até o bebê que está mamando.
Depois, quando essa situação começou a se disseminar com mais frequência e as informações e estudos passaram a abordar a situação, para mim, ficou clara a diferença entre a minha ideia e a realidade. Mas, também, vejam esses dados.
Pesquisa do Google hoje:
Rede de apoio amamentação: 18 milhões de resultados.
Perturbação na amamentação: 84,3 mil resultados.
Até já escrevi um texto na coluna Eu Apoio Leite Materno (Crescer) a respeito do tema: “Pode uma mãe não gostar de amamentar?”
Assim, esse se mostra um tema que existe, se torna, a cada dia, mais comum, mais analisado, mas que não pode ser referido, como tem sido, “uma situação normal”.
Não. Não é normal.
Se assim fosse, não perturbaria.
Se assim fosse, não traria desconforto para a mulher.
Se assim fosse, não colocaria em risco a amamentação.
Se assim fosse, não seria necessário intervir.
Pode ser comum, frequente e até, às vezes, simples. Mas, não é “normal” e merece empatia, escuta ativa, sem julgamentos. Normalizar a perturbação da amamentação sem dar a devida atenção a todo o processo que envolve esse desafio é banalizar uma fase da vida de uma mulher que amamenta e tratar dessa situação com menos respeito e dignidade do que ela merece.
A perturbação na amamentação pode ser entendida como uma sensação de desconforto, agitação e até de aversão à sucção do bebê, quer seja na gestação (lactogestação) ou enquanto amamenta dois bebês (gemelar ou tandem) que pode levar a mulher a afastar e até a rejeitar criança, em forma, gravidade e duração variáveis.
É um quadro que pode ocorrer em qualquer mãe que amamenta, em qualquer fase da amamentação, de forma mais persistente ou recorrente.
Estudos mostram que, mesmo assim, muitas mães com esse quadro, continuam a amamentar por questões sociais e culturais, mas com sentimentos conflitantes de vergonha e culpa.
Essa é uma condição que afeta exclusivamente as mães, lactantes, e não diretamente os bebês. Mas, as consequências podem afetar a continuidade da amamentação, e por fim, o bebê.
As causas ainda não estão totalmente determinadas, mas já são conhecidos alguns possíveis fatores e situações que podem sensibilizar ou desencadear esse processo em algumas mulheres na fase de amamentação:
- Sobrecarga física e emocional: Cansaço, privação de sono, sobrecarga por rede de apoio ausente ou insuficiente. “Obrigação” social e cultural de amamentar.
- Questões hormonais: apojadura, transição para períodos, ovulatórios, menstruação,
- Desafios da amamentação: livre-demanda, amamentação prolongada, gemelar, lactogestação, tandem.
Então, quer dizer, que amamentar desde a sala de parto até dois anos ou mais, exclusivo e em livre demanda até o sexto mês, com o alimento padrão-ouro da alimentação infantil não é o mais recomendado?
A resposta a essa pergunta continua a mesma. Essa continua sendo a recomendação da OMS, do Ministério da Saúde, da Sociedade Brasileira de Pediatria e a minha.
A questão é que existem lactantes que, por causas nem sempre conhecidas, podem desencadear transtornos por conta desses fatores. E, para essas, é necessário estar atento e intervir, se necessário, o quanto antes possível.
Dependendo da gravidade e da duração do processo, pode ocorrer o desmame precoce ou até uma mamada muito desconfortável, gerando desafios à manutenção da amamentação. Quando se observa a mamada (procedimento que deveria ser realizado na maternidade e nas consultas com o pediatra), nota-se uma mãe tensa, desconfortável, às vezes deprimida, sem sinais de vínculo com o bebê.
Essa é uma condição que requer a atenção e o conhecimento do profissional de saúde materno-infantil que acompanha essa lactante.
A princípio, enquanto a mãe puder suprir as necessidades nutricionais do bebê, não é necessário complementar. Em crianças que já comem (após os 6 meses), o aporte nutricional de outra forma pode até de ajustar.
Se a mulher perceber que houve alguma mudança que traga desconforto ou até dúvidas no processo da amamentação, a busca de uma conversa, trocar ideias com outras mães e até chegar a esclarecer essas questões com um profissional de sua confiança são ações cruciais no caminho da identificação e intervenção precoces. Infelizmente, por questões históricas, sociais, culturais (Ser mãe é padecer no paraíso... oi?), que podem gerar culpa, vergonha, ressentimentos, a mãe sente que se pedir ajuda ela não será aceita, considerada como uma “boa mãe” e, para não se expor, se submete a uma sobrecarga que tende a piorar essa história.
O acompanhamento pediátrico de rotina (puericultura) com consultas periódicas, mais próxima (até mensais, no primeiro ano de vida), são fundamentais para a avaliação de crescimento e desenvolvimento do bebê e de todos os processos de saúde materno-infantil.
Assim, é altamente recomendável que nessas consultas o pediatra se envolva e se interesse por todo o panorama da vida dessa criança, em especial no vínculo da mãe e de outros componentes de sua rede de apoio.
Mesmo que a própria mulher não relate ou não se sinta confortável em expor a situação para o profissional na consulta, é importante que o pediatra questione sobre o estado clínico e emocional (mental) da mãe, que muitas das vezes é relatado de forma indireta pela própria lactante (referindo alterações de sono, de humor, por exemplo).
De acordo com o caso, pode ser essencial o acompanhamento psicológico, até um psiquiátrico, além de outras propostas de apoio, se possível.
É, também, básico analisar outras possibilidades hormonais, avaliações clínicas e recomendações a respeito do estilo de vida, quando for possível.
Algumas ações e sugestões podem ajudar de acordo com cada caso:
- Reorganizar a livre-demanda, tentando ajustar o número de mamadas.
- Mulheres que fazem a lactogestação e/ou o Tandem podem reduzir as mamadas até considerar a possibilidade do desmame gradual do mais velho.
- Em situação de gemelares, tentar não oferecer para os dois ao mesmo tempo e tentar separar as mamadas.
- A amamentação noturna também pode ser mais bem aconselhada e trabalhada para que a mãe possa também descansar e se recuperar.
- Se existe algum quadro que provoque dor na amamentação, quer seja por parte do bebê (pega inadequada, presença de freio de língua impactante, entre outras) ou da mãe (fissuras, mastite, hiperlactação, etc.) é preciso um diagnóstico adequado e uma intervenção precoce pode determinar uma evolução mais favorável.
A prevenção compreende um acompanhamento próximo desde a gestação, com consultas regulares de pré-natal, um parto respeitoso, consultas regulares de puericultura com pediatras atentos e cuidadosos, um olhar empático, com escuta ativa, sem julgamentos. Vale ressaltar que essa não é uma realidade possível para a maioria da população brasileira, que, muitas vezes, não tem nem a presença de profissionais em quantidade suficiente (quando tem) em suas cidades.
A suspeita e identificação precoce podem direcionar a mãe para uma assistência adequada, possibilitando um tratamento, quando necessário, e prevenindo a agravação e a evolução do processo.
O respeito, o diálogo, a busca da conexão da mãe com seu bebê fora do momento da mamada, podem trazer a possibilidade de não tirar do peito ou desmamar e sim trazer outras formas de vínculo e conexão para o bebê que não restrinja a solução apenas à amamentação (colo, contato, presença).
Reduzir os sentimentos negativos de culpa (principalmente) através do esclarecimento para a mãe que não se trata de rejeição ou desamor em relação à criança, mas que, em algum ponto, é o próprio organismo indicando a necessidade de uma readequação no processo.
Caso a opção seja por manter a amamentação, independentemente de todas essas sensações, tirar o foco da tensão da mamada, com “distrações” é uma possibilidade.
Conversar, ouvir música, ver uma série ou um podcast sobre assuntos que interessem e que não sejam relacionados à maternidade e à amamentação são algumas das propostas, sem que isso exclua apoio profissional.
A perturbação da amamentação ainda é uma situação que tem muitas perguntas e algumas respostas. Não são conhecidas todas as causas, os fatores predisponentes, as mulheres mais suscetíveis, as evoluções mais características.
Ainda são necessárias pesquisas para compreender melhor as causas, os gatilhos e estratégias para minimizar a experiência, os sintomas e as reações em mães que amamentam.
A amamentação já é um período que recebe ações de hormônios (prolactina e ocitocina - predominantemente, mas não só) que têm uma grande ação não só nas mamas, mas, também, em questões emocionais (ansiedade, estresse, entre outras).
Assim, as sensações desconfortáveis geradas pela amamentação, nessas mulheres, podem levar a sentimentos de raiva, agitação, irritabilidade, ansiedade, depressão, com vergonha, culpa, agressividade, rejeição do processo de amamentação, arrepios, coceira na pele, necessidade de afastar o bebê. O conflito entre a raiva e a necessidade de afastamento e a vontade de nutrir, alimentar, abraçar e acolher o bebê é um dos fatores fortes nesse processo que requerem o apoio, a compreensão e a intervenção.
Apesar de não ser comum, a raiva e a sensação de querer afastar ou até machucar o bebê podem estar presentes (mesmo que não executadas) e a situação pode evoluir para um quadro depressivo de graus variáveis, colocando em risco a saúde e a integridade de mãe e bebê, especialmente se não analisada a tempo.
Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545