Do BLOG da Editora Timo
por Dr. Moises Chencinski - colunista
04/07/2024
Em um de meus momentos de ócio criativo, passando pelo perfil do Instituto Alana, no Instagram (recomendo – sigam), entre as preciosidades e os alertas que achei lá, um deles, bem simples, me chamou a atenção. O texto dizia:
“Nas brincadeiras, as crianças encontram não apenas diversão, mas uma maneira autêntica de se conectar com a essência do espaço ao seu redor. É como se, perdida nos jogos, elas se encontrassem nas histórias que o território tem para contar”.
E enquanto o vídeo bem curtinho mostrava crianças sendo crianças, brincando juntas em um campo, uma frase da urbanista Beatriz Goulart, no vídeo, me “sequestrou”:
"O jeito de se vincular mais rápido a um território é brincando nele".
Reflexões? Muitas.
Entre elas, uma frase que a gente cansa de ouvir (mas, parece, que não de falar):
“A teoria na prática é outra”, ou, “Na prática, a teoria é outra”.
Muitas situações nos dias de sempre (não só nos de hoje) me incomodam por abusar da dicotomia, da separação que se faz entre a teoria e a prática, discutindo o que seria mais importante e, baseados nessa resposta, cada um com a sua conclusão, criar cada vez mais teorias e mais práticas, mas que não conversam.
Minha pesquisa teórica para escrever esse texto, me leva a algumas citações que li um dia e que serão base para mais esse texto.
“Reúno em mim mesmo a teoria e a prática”.
Machado de Assis - O alienista (1882).
“A educação, qualquer que seja ela, é sempre uma teoria do conhecimento posta em prática”.
Paulo Freire
“Aprender música lendo teoria musical é como fazer amor por correspondência”.
Luciano Pavarotti
Eu fico impressionado em quantas vezes vivemos situações em que as teorias são elaboradas por quem não tem a prática (o “verbalismo” de Paulo Freire), e as práticas são executadas sem nenhuma teoria, aleatoriamente, gerando muito mais o caos do que soluções.
Mas as crianças agem assim, só na prática, sem teoria, e nós sempre as elogiamos e as tomamos como exemplo que devemos seguir. Muita calma nessa hora.
Em primeiro lugar, as crianças são phD, mestres no conhecimento do que é ser criança. Elas têm todas as teorias naturalmente desenhadas em seu DNA. Elas são seres curiosos, em constante movimentação e desenvolvimento, em um confronto eterno entre o “eu quero” e o “eu posso” que pode ser compreendido como o “eu quero” e o “eles permitem”. E esse “eles” é representado por “nós, adultos”. Isso pode moldar e guiar qual será o caminho da infância para a adultidade e seus resultados.
Vejam que não está aí o “eu consigo”, porque elas conseguem o que quiserem. Deve ter sido uma criança quem criou a ideia de “querer é poder”. Mas, com certeza, foi um adulto quem primeiro reagiu com um “depende, nem sempre”.
Teorias são importantíssimas. A prática é fundamental.
Uma muito dificilmente funciona sem a outra.
E a outra raramente se firmará sem a uma.
Qualquer que seja a uma ou a outra.
Depois dessa longa introdução, a pergunta justa que não quer calar:
Do que ele está falando?
Esse começo foi uma tempestade de ideias que poderia me dar a oportunidade de discorrer sobre vários temas. E enquanto “introduzia”, ajustei e organizei os pensamentos e as prioridades.
Poderia abordar aqui as guerras (Ucrânia e Oriente Médio), as leis e regras que regulamentam a vida de um grupo, sem a participação efetiva de representantes desse grupo na sua elaboração (homens legislando sobre a vida das mulheres, por exemplo), os rumos da educação e da saúde no Brasil e no mundo. São todos temas em que a Teoria não parece levar em conta a Prática para sua elaboração e a Prática não se mostra tão coerente com a Teoria. Resultado? Você responde?
Mas, de novo? Não acredito? Amamentação? Como assim?
Pois é. Vai e volta, vira e mexe, sobe e desce, roda, roda, roda, pé, pé... tá me empolguei. Mas, sempre se pode aproveitar para abordar o aleitamento materno.
O ENANI-2.019 traz as taxas de aleitamento materno (AM) no Brasil pré-pandemia (aguardando ENANI-2024 que está começando) e elas tiveram evolução insatisfatória (em relação à última pesquisa em 2.006) e estão abaixo do esperado em todos os índices (em relação à proposta da OMS para 2.025 e 2.030).
- AM na 1ª hora de vida (62,4% - e tem lei para isso);
- AM em crianças abaixo de 6 meses (45,8%);
- Mediana de AM (3 meses – eram dois em 2.006);
- Uso (exagerado) de mamadeira (52,1%) e chupetas (43,9%) abaixo de 2 anos;
- Baixo acesso (34,5%) de mães em busca de informações sobre AM na internet.
Quais as possíveis causas? Na teoria, a lista é enorme:
- Legislação insuficiente (licenças maternidade, paternidade, salas de apoio ao AM);
- Pouco conhecimento e controle de normas e leis existentes (NBCAL, Código);
- Taxa de trabalho informal (40%) em mulheres, sem direitos para amamentação;
- Marketing abusivo das indústrias de produtos lácteos comerciais;
- Marketing abusivo das indústrias de bicos, chupetas e mamadeiras;
- Influenciadores digitais contratados pelas indústrias para divulgar seus produtos;
- Profusão de cursos teóricos sobre AM nas redes sociais;
- Ensino sobre AM nas universidades muito pouco relevante;
- Mídia com espaço restrito na divulgação sobre AM e seus benefícios à saúde;
- Exclusão digital;
- Aqui cabe mais um monte de etc.
E o que é feito na prática para solucionar essas questões?
- IBFAN incitando a adoção do Guia para controle do Marketing através de influenciadores digitais na reunião da Assembleia Mundial de Saúde da OMS.
- Estudos, pesquisas, leis, congressos, reuniões, propostas.
- Teoria, teoria, teoria...
Será que alguém que esteve no lugar de analisar, opinar, elaborar, propor chegou a vivenciar qualquer um desses desafios ou teve a (brilhante) ideia de conversar, consultar, convidar alguma(s) mãe(s) para participar diretamente nesse processo?
Será que alguém que esteve... (tudo isso que está aí acima) ... teve a prática, já foi mãe e amamentou?
Lembra do começo do texto?
“O jeito de se vincular mais rápido a um território é brincando nele”.
E, de forma mais abrangente, o jeito de se conhecer e de se vincular mais rápido a uma experiência é vivenciar essa experiência. O jeito de se vincular mais rápido à amamentação é “brincando” nela, é vivenciando, é amamentando. Só quem amamenta pode ter a verdadeira noção de seus desafios e de suas superações.
“Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”.
Caetano Veloso
EducAção. AmamentAção.
Tudo termina em ação. Sem a ação tudo vira verbo intransitivo. Sem ação tudo não vai passar nunca de teoria.
E antes de terminar...
Lactare e et – latim.
Theōría e Praktikē – grego.
Lactar (amamentar): Teoria e Prática.
Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545