Do site da Crescer
O pediatra Moises Chencinski defende a conscientização da sociedade civil e ação das políticas públicas contra os abusos do marketing digital das indústrias de produtos lácteos através dos influenciadores
por Dr. Moises Chencinski - colunista
12/08/2024
O Brasil já é dominado pela influência das casas de apostas em muitas “áreas de atuação esportiva”. Essas instituições representam, por exemplo, cerca de 30% do investimento no futebol mundial.
Em um levantamento entre os principais times de futebol da primeira divisão em 12 países (Alemanha, Argentina, Bélgica, Brasil, Espanha, França, Holanda, Inglaterra, Itália, México, Portugal e Turquia), constatou-se que em 9 deles há patrocínio das casas de apostas (menos na Espanha, Itália e Turquia, por enquanto).
O Brasil é o país com a maior quantidade de patrocínios de sites de apostas online. Cerca de 80% dos clubes (15) e o próprio campeonato estampam, como imagem principal, em suas camisas e publicidades, os nomes dessas empresas (12 sites de apostas para 15 dos 20 clubes da série A, sem contar os da série B). Só para ter uma ideia:
Betano (Atlético-MG), Betfair (Cruzeiro e Vasco), Vaidebet (Corinthians), Superbet (Fluminense e São Paulo), Pixbet (Flamengo), Parimatch (Botafogo), Stake (Juventude), Esportes da Sorte (Athlético-PR e Bahia), Novibet (Fortaleza), Blaze (Atlético-GO), Estrela Bet (Criciúma) e Betsat (Vitória).
Em dezembro de 2.023, foi publicada a Lei Nº 14.790, para normatizar a atividade dessas casas de aposta.
“Art. 7 Somente serão elegíveis à autorização para exploração de apostas de quota fixa as pessoas jurídicas constituídas segundo a legislação brasileira, com sede e administração no território nacional, que atenderem às exigências constantes da regulamentação editada pelo Ministério da Fazenda.”
Essa lei traz alertas importantíssimos a respeito da publicidade e propaganda das apostas:
“Art. 16 Parágrafo único. A regulamentação de que trata o caput deste artigo disporá, pelo menos, sobre:
II - outras ações informativas de conscientização dos apostadores e de prevenção do transtorno do jogo patológico, bem como da proibição de participação de menores de 18 (dezoito) anos, especialmente por meio da elaboração de código de conduta e da difusão de boas práticas.”
“Art. 17 ...é vedado ao agente operador de apostas de quota fixa veicular publicidade ou propaganda comercial que:
III - apresentem a aposta como socialmente atraente ou contenham afirmações de personalidades conhecidas ou de celebridades que sugiram que o jogo contribui para o êxito pessoal ou social;”
Em 31/07/2024, foi publicada no Diário Oficial da União, a Portaria Nº 1.231, que “estabelece regras e diretrizes para o jogo responsável e para as ações de comunicação, de publicidade e propaganda e de marketing”.
“Art. 12. São vedadas as ações de comunicação, de publicidade e propaganda e de marketing de loteria de apostas de quota fixa que:
II - apresentem a aposta como socialmente atraente ou contenham afirmações de personalidades conhecidas ou de celebridades que sugiram que o jogo contribui para o êxito pessoal ou social ou para melhoria das condições financeiras”.
A influência que essa publicidade exerce é tão marcante e significativa que mereceu regulamentação do governo federal para coibir as ações prejudiciais à saúde mental às finanças dos “apostadores”.
Amamentação? Bets? Influenciadores?
“A Norma Brasileira de Comercialização de Alimentos para Lactentes e Crianças de Primeira Infância, Bicos, Chupetas e Mamadeiras (NBCAL) é um conjunto de normas que regulam a promoção comercial e a rotulagem de alimentos e produtos destinados a recém-nascidos e crianças de até três anos de idade, como leites, papinhas, chupetas e mamadeiras.
Fica proibido fazer promoção comercial em qualquer meio de comunicação, incluindo merchandising, divulgação por meios eletrônicos, escritos, auditivos e visuais; estratégias de marketing para induzir vendas ao consumidor no varejo tais como exposições especiais, cupons de descontos, preços abaixo dos custos, destaque de preço, prêmios, brindes, vendas vinculadas e apresentações especiais”.
Infelizmente, a Lei Nº 11.265 (NBCAL) não controla a ação do marketing das empresas através de influenciadores digitais, que são frequentemente e eficientemente utilizados para venda de produtos lácteos comerciais, bicos, chupetas e mamadeiras.
Em 2.023, a Organização Mundial da Saúde (OMS) elaborou um Guia sobre medidas regulatórias destinadas a restringir o marketing digital de substitutos do leite materno por esses influenciadores, que foi apresentado na Assembleia Mundial de Saúde em 2.024 e será reanalisada para aprovação e utilização geral em 2.025.
O relatório da OMS aponta que os ambientes digitais estão se tornando a fonte predominante de exposição à promoção mundial de fórmulas lácteas comerciais, amplificando o alcance e o poder da publicidade e de outros formas de promoção e exposição ao marketing digital, aumentando a venda desses produtos e traz recomendações de ação para o controle desse abuso.
“Recomendação 1
Os Estados-Membros devem assegurar que as medidas regulamentares proíbam efetivamente a promoção de produtos abrangidos pelo âmbito de aplicação do Código, incluindo a promoção de marcas, em todos os canais e meios de comunicação, incluindo os meios digitais.”
Entre os focos de controle, podem ser incluídos os criadores de conteúdo (incluindo influenciadores), provedores de plataformas de mídia social, proprietários de aplicativos e provedores de serviços de jogos.
Para o controle das casas de apostas (bets), o governo federal se mobilizou com a intenção de proteger os brasileiros da ação dos influenciadores que traz riscos à saúde mental e financeira dos apostadores
O que dizer da necessidade desse controle, quando se aborda a força do marketing digital na estratégia de venda das indústrias de fórmulas lácteas comerciais quando se direciona às mães que podem, querem e conseguem amamentar, diminuindo sua autoconfiança, aproveitando de sua vulnerabilidade?
O que dizer então da necessidade desse controle, quando a saúde, o desenvolvimento e até a vida das crianças, em algumas situações, correm riscos por serem privadas do leite materno, o padrão-ouro da alimentação infantil, por conta do marketing abusivo de influenciadores digitais que, até o momento, não tem qualquer fiscalização oficial sobre suas ações.
Temos um ano pela frente para trabalharmos a proposta da OMS e levá-la para a próxima Assembleia Mundial de Saúde, sendo, o Brasil, o protagonista dessa ação, representando a proteção de crianças do mundo todo.
Eu aposto no leite materno, medalha de ouro na saúde materno-infantil, com a conscientização da sociedade civil e ação das políticas públicas, contra os abusos do marketing digital das indústrias de produtos lácteos através dos influenciadores.
Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545