Do site da Crescer
"Costumo ressaltar a importância de se falar sobre o aleitamento materno o tempo todo. Um dia, uma semana e um mês são suficientes para isso? Precisamos esperar agosto chegar para intensificar a informação?", reflete o pediatra Moises Chencinski
por Dr. Moises Chencinski - colunista
02/09/2024
1º de agosto – Dia Mundial do Aleitamento Materno.
De 30 de julho a 1º de agosto de 1.990, em Florença (Itália), sob a coordenação de OMS / UNICEF, representantes de 30 países (entre eles o Brasil) se reuniram para definir a Declaração de Innocenti, com propostas para proteção, apoio e promoção do aleitamento materno.
Todos os países deveriam ter, até 1.995:
- Nomeado uma autoridade competente como coordenador nacional de aleitamento materno e estabelecido um comitê nacional de aleitamento materno composto por membros do Governo e de organizações não-governamentais;
- Assegurado que as maternidades coloquem em prática todos os “Dez Passos para o Sucesso do Aleitamento Materno”;
- Implementado totalmente o Código Internacional de Comercialização de Substitutos do Leite Materno e as subsequentes resoluções da Assembleia da Organização Mundial da Saúde;
- Elaborado uma legislação criativa de proteção ao direito ao aleitamento da mulher trabalhadora e estabelecido meios para sua implementação.
Em 2.024, 34 anos depois, não há nenhum país no mundo que chegue próximo a pelo menos uma dessas só 4 metas.
1ª semana de agosto – Semana Mundial do Aleitamento Materno (SMAM).
Em 1.991 foi criada a WABA (World Alliance For Breastfeeding Action - Aliança Mundial para Ação em Aleitamento Materno) que, entre suas ações, elaborou a Semana Mundial de Aleitamento Materno. Esse ano, estamos na 33ª SMAM com o tema “Amamentação: Apoie em Todas as Situações”.
A primeira edição foi em 1.992 ressaltando a importância do Hospital Amigo da Criança, que. por sinal, se repetiu em várias das semanas mundiais, inclusive sendo abordada em 2.024. Em 1.993, o foco foi nos direitos da mulher que amamenta no trabalho, também exaustivamente relembrado em muitas das semanas seguintes (licença-maternidade de 6 meses, creches, intervalos para amamentar ou extrair o leite, salas de apoio à amamentação, ainda insuficientes, apesar de tanto reforço).
E assim, ano após ano, a WABA propõe um tema a ser abordado mundialmente, através de slogans, propostas de ações e uma campanha elaborada com uma visão macro, ou seja, abraçando toda a diversidade mundial a respeito da amamentação.
Apesar dos esforços, as taxas de aleitamento materno no Brasil, que tiveram grande evolução até 2.006, estagnaram desde então, conforme mostram as nossas estatísticas (ENANI-2.019).
1 a 31 de agosto – Agosto Dourado – Mês do aleitamento Materno no Brasil.
A partir de 12 de abril de 2.017, no Brasil, com a Lei Federal nº 13.345, foi instituído o AGOSTO DOURADO, um mês inteiro dedicado à sensibilização, à conscientização e ao esclarecimento sobre a importância do aleitamento materno.
E assim, ao invés de um dia ou uma semana, temos um mês de campanhas, ações, engajamentos, propostas e visibilidade do aleitamento materno.
E o agosto é dourado, para quem ainda não sabe, porque o leite materno é considerado o padrão-ouro da alimentação infantil.
Como foi o seu agosto dourado? Por aqui, tive várias atividades presenciais dentro (Diadema, Osasco, Hospital Vila Nova Cachoeirinha, Hospital do Tatuapé, Botucatu, Santos) e fora do Estado de São Paulo (Fortaleza, Brasília) e online (Itajaí, Zona Leste, Botucatu, Recife, Rio Grande e lives).
E, assim como eu, muitos profissionais de saúde de várias especialidades, clínicas, associações, sociedades, conselhos, influenciadores e muita gente mais, tiveram a oportunidade de divulgar o tema e levar a grande parte do país dados, informações, opiniões sobre o aleitamento materno, a maioria favorável e, se é que isso espanta mais alguém, algumas falas não dando a devida importância ao leite materno e até alguns contra, dizendo que “o leite materno e amamentação não são tudo isso” e que “não há estudos científicos que comprovem essas teorias sobre a importância do leite materno, porque nenhuma criança morreu porque não mamou o leite de sua mãe” (acreditem, isso foi dito até por alguns “profissionais de saúde”).
Eu dei um Google hoje...
Costumo ressaltar a importância de se falar sobre o aleitamento materno o tempo todo. Um dia, uma semana e um mês são suficientes para isso? Precisamos esperar agosto chegar para intensificar a informação?
Sempre curioso com números e, agora, com a possibilidade maior de obter as estatísticas, fui ao Google e pesquisei a procura por alguns temas durante dois períodos: 1º a 31 de julho (A) e 1º a 31 de agosto (B). Seguem os “curiosos” resultados.
AGOSTO DOURADO
A-347.000
B-1.930.000
AMAMENTAÇÃO
A-3.540.000
B-3.950.000
ALEITAMENTO MATERNO
A-152.000
B-189.000
LEITE MATERNO
A-193.000
B-516.000
Algum desses dados chamou a sua atenção? Vou dizer o que chamou minha atenção.
As pesquisas sobre amamentação e leitamento materno não tiveram variações significativas entre julho e agosto. O termo leite materno teve um aumento relevante (quase 3 vezes mais), mas não explica, sozinho, o aumento de 6 vezes do AGOSTO DOURADO na pesquisa.
Já que estava nessa linha, tentei achar, nas primeiras 7 páginas em que AGOSTO DOURADO aparece no Google, alguma razão para isso. E sabe quem eu encontrei? Profissionais de saúde? Não. Influenciadores? Também não. Mães? Nananinanão.
Os principais responsáveis pelo grande aumento observado na busca pelo Google foram as instituições, de todas as áreas e tipos:
Hospitais, Assembleias Legislativas, Senado, Câmaras estaduais e municipais, Governos estaduais, municipais e federal, Secretarias de Saúde, Agências de Informação, Conselhos e Sociedades de Especialidades, Faculdades e Universidades.
Sim, isso é bom. Mas...em muito poucas delas se conversou com quem? Com quem?
Com as mães. O foco foi, o tempo todo, sobre suas “relevantes” ações em prol do aleitamento materno durante o mês de agosto.
E aí vem a pergunta que eu tenho certeza de que todos pensaram em fazer:
Por que isso aconteceu? Por que só em agosto?
Eu poderia elaborar teorias sobre possibilidades, mas não consigo deixar de pensar sobre a importância de estar nas redes sociais e ... Será que só eu penso que essa é uma das razões? Quem não é visto não é lembrado.
Essa é uma das razões para que eu já tenha abordado, até aqui na Crescer, a proposta de um ANO DOURADO DA AMAMENTAÇÃO. E falo sobre isso há muito tempo. E se o ano tivesse 12 agostos dourados, teríamos maior visibilidade sobre o tema? E será que se tivéssemos 12 agostos dourados no ano, em algum deles, alguém se preocuparia em conversar com as mães e perguntar a elas, pelo menos duas perguntas até bem simples (mas não simplórias)?
- Como você está?
- Do que você precisa em relação à amamentação?
Então, que tal, lutarmos de fato e de direito por, pelo menos, o primeiro ANO NACIONAL DA AMAMENTAÇÃO – O ANO DOURADO?
Em 1º de outubro eu volto com as mesmas estatísticas de pesquisa de setembro. Será que dá para imaginar o que vai acontecer com os dados? Curiosos?
Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545