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Aleitamento materno: complexo, desafiador, importante, científico

Do site da Crescer

O pediatra Moises Chencinski fala sobre suas vivências nas edições do Congresso Brasileiro Mame Bem. "Foram levantados temas que são pouco discutidos em congressos 'tradicionais', escancarando a necessidade de identificar a presença dos preconceitos, para que o aleitamento seja, de fato, um direito de todas as mães e de todas as crianças", diz. Confira!

por Dr. Moises Chencinski - colunista

07/10/2024

Na semana de 1 a 3 de outubro, estive em Belo Horizonte, participando de um evento especial sobre aleitamento materno: o 5º Congresso Brasileiro Mame Bem. Desde a primeira vez que estive lá, em 2.022, no 3º congresso, me envolvi com uma abordagem diferente, diferenciada e abrangente sobre a amamentação e que, de uma forma até que inesperada para o momento, me tocou e me sensibilizou de forma significativa.

Em um evento multiprofissional, multirregional (tanto na plateia quanto entre palestrantes), vi muita gente potente (também, tanto na plateia quanto entre palestrantes), compartilhando experiências e informações relevantes, a respeito de assuntos muitas vezes não tão claros para quem trabalha e convive no meio do aleitamento materno.

Saí de BH provocado (gosto), reflexivo (faz parte do meu eu), incomodado (minha cara) e para minha feliz surpresa fui convidado a fazer parte da equipe de palestrantes do 4º Congresso (em 2.023, compartilhando com Dr. Tiago Vannucchi) e do 5º também (2.024 – em uma mesa de Pediatria com a Dra. Brenda Godoi, Dra. Mariele Rios e Dra. Perola Zupardo).

A preparação para as apresentações foi muito desafiadora. Como abordar, de uma forma leve, mas instigante, temas de conhecimento e atuação de grande parte do público (presencial e online – muita gente mesmo), trazendo atualizações ou novas visões a respeito do aleitamento materno, sem deixar de trazer a relevância das questões da ciência, de políticas públicas, culturais, sociais, econômicas, da volta ao trabalho, entre outras, que envolvem a dupla mãe-bebê.

Aparentemente, pela receptividade, as metas foram atingidas. Em um evento onde a “presença masculina” ainda é bem pouco significativa (com certeza, não chega a 3% do público, talvez pelo tema, talvez por... não sei mesmo), em que consultoras de amamentação representam a imensa maioria das pessoas presentes, acredito ter conseguido trazer um impacto sobre uma realidade que eu vivencio, já há um bom tempo (uns 30 anos ou mais) e sua representatividade no momento atual, no mundo, mas, principalmente, no Brasil. A nossa realidade, sem muito romantismo, às vezes até com certa “crueldade”.

Feliz? Com certeza. Gosto dessa comunicação e dessa percepção.

Mas esse 5º Congresso, para mim, foi muito além disso. São 10 anos do Instituto Mame Bem – parabéns Tatiana Vargas pela idealização e coordenação do Instituto, dos Congressos e pela equipe incrível que te cerca e te apoia.

A melhor sensação é você saber que está no lugar certo, na hora certa, com as pessoas certas. O pertencimento (pretensioso, né?) é uma emoção indescritível. Fazer parte.

Uma das frases mais conhecidas do UBUNTU, uma filosofia africana que ressalta a essência do que é ser humano, pode esclarecer meus sentimentos:
Eu sou porque nós somos.

E durante esses três dias, eu me senti participando e compartilhando do sentido dessa comunidade, que tem como foco a saúde materno-infantil, baseada no aleitamento materno e em muito do que envolve essa prática.

A abrangência da programação trouxe, desde o início, a variedade do tema. Ainda penso que o aleitamento materno deve ser, se não uma especialidade pediátrica, pelo menos uma área específica de atuação, tamanha a complexidade do assunto.

A ciência foi contemplada na programação com questões mais diretas e atualizações sobre a composição do leite materno, a avaliação e manejo dos traumas mamilares, a relação do sono com a amamentação. O desenvolvimento oral do bebê, abordando as consultas odontológicas da mãe no pré-natal e a dos bebês, com esclarecimentos sobre a influência do dedo e da chupeta nessa dinâmica também foram discutidos.

Dúvidas sobre a importância do aleitamento materno em situações preocupantes na maternidade (como hipoglicemia – falta de açúcar no sangue - e icterícia no recém-nascido) foram tratadas, assim como quando se considerar que a amamentação está estabelecida (essa foi a minha apresentação) e se é necessário oferecer algum leite após o desmame.

Outubro rosa, mês dedicado à sensibilização sobre os cuidados de prevenção, diagnóstico e tratamento precoce contra o câncer de mama, foi ressaltado, sendo a amamentação, uma dessas ações, quando possível.

Dentro desse universo sem fronteiras do mamar, foram levantados temas que são pouco discutidos em congressos “tradicionais” (que pena), escancarando a necessidade de apontar e identificar a presença dos preconceitos (raciais, de gênero, sociais, culturais), para que o aleitamento seja, de fato, um direito de todas as mães e de todas as crianças.

Outro tema ressaltado na grade do congresso foi sobre quando o aleitamento materno exclusivo não é uma realidade possível, especialmente em mães que sofrem um luto perinatal (perda gestacional, na maternidade ou após o parto) e a necessidade do apoio do profissional de lactação nesse contexto, tanto do ponto de vista mais “prático” (manejo clínico, medicamentoso ou não, para a necessária suspensão da produção do leite), como do encaminhamento adequado para os desafios emocionais e psicológicos desse processo doloroso.

O sentimento de que, além da mãe e do bebê (esses sim, o foco da nossa atenção), nenhum profissional é protagonista das ações da amamentação. Ninguém é, pode ou sabe tudo. É necessária a consciência de que fazemos parte de um todo, de que não somos “o todo” e de que, mesmo que eu não saiba tudo, preciso conhecer o máximo possível, para ter um “diagnóstico” rápido e certeiro e conseguir oferecer o seguimento mais apropriado para cada caso, proporcionando um desfecho possível e desejado.

A amamentação é multifatorial e, para isso, requer a ação de uma equipe multiprofissional, ética, atualizada, coesa, sem conflitos de interesses. Esse congresso mostra a profundidade e os desafios para se proteger, apoiar e promover o aleitamento materno. Quero muito que esse sentimento e toda essa comunicação possam ser repetidos em cursos, congressos, simpósios, jornadas em todas as áreas profissionais da saúde materno-infantil.

O sexto Congresso Brasileiro Mame Bem está definido: 16, 17 e 18 de junho de 2.025, dessa vez em São Paulo. Eu estarei lá com certeza, na plateia ou, se for convidado, compartilhando com muito empenho (e humor, vai) minha vivência na área. Será que te encontro lá?

Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545