Do BLOG da Editora Timo
por Dr. Moises Chencinski - colunista
22/02/2025
A Organização Mundial de Saúde (ela de novo) recomenda o aleitamento materno desde a sala de parto até dois anos ou mais (sempre é bom ressaltar que é ou mais), exclusivo (só ele mesmo, não precisa nem de água) e em livre demanda (sem horários ou duração marcados, definidos pela mãe e sua cria) até o sexto mês.
Essa recomendação é confirmada no Brasil também pelo Ministério da Saúde, pela Sociedade Brasileira de Pediatria e suas Sociedades regionais estaduais e pelos órgãos representativos que atuam na área de saúde materno-infantil (Nutrição, Fonoaudiologia, Odontopediatria, Enfermagem e muitas outras).
O aleitamento materno traz benefícios fundamentais nutricionais para o bebê em seu crescimento e desenvolvimento, imunológicos com prevenção de doenças, muitas delas graves e fatais. As mulheres também se beneficiam da amamentação com redução de riscos de patologias muito impactantes como diabetes, hipertensão, câncer de mama entre muitos outros.
Estamos em fevereiro de 2.025 e, infelizmente, essas são informações que ainda precisam ser repetidas, reforçadas e esclarecidas em cada comunicação (escrita ou falada) para profissionais da área e para as famílias, lembrando sempre que a definição e a decisão sobre a amamentação cabem aos seus protagonistas: a mãe (lactante) e seu bebê (lactente).
Mas, para isso, é fundamental que tanto os profissionais quanto os protagonistas (dupla mãe-bebê) recebam as informações éticas, atualizadas, esclarecedoras, sem conflito de interesses e, sempre que aparecer uma nova (ou antiga, mas pouco esclarecida) dúvida, se retome o assunto para uma comunicação mais eficiente.
Nos dias de hoje (e nas noites, quando abordamos o universo da amamentação), “a vida acontece dentro das redes sociais”. É aí que a “maternagem” e o aleitamento materno são debatidos e compartilhados em seus lutos e celebrações. E é no mundo digital que as postagens recebem seus “likes” ou, para ser mais atual, viralizam.
“Eu não faço mais nada. Isso é como um trabalho em tempo integral”
Uma publicação do TikTok, com 2.9 milhões (além de outra com 4.4 milhões) de visualizações, que virou matéria na Newsweeek (segunda maior revista semanal dos Estados Unidos, atrás apenas da TIME), aponta para um tema prático e que merece mais atenção tanto de quem passa quanto de quem recebe informação: as “exigências” da amamentação. E esse post vale para um começo de reflexão bastante amplo, mesmo sendo uma experiência pessoal, que pode até ser mais comum do que se imagina, especialmente a respeito da importância da rede de apoio.
Nesse vídeo, uma lactante (enquanto está amamentando), comenta sobre algo que nunca, ninguém havia dito a ela antes do parto. A informação que ela recebeu foi de que um bebê precisa ser amamentado a cada 2 a 3 horas (vamos relevar um pouco aqui a informação sobre livre demanda, que vai piorar o panorama).
A conclusão dela foi que após amamentar ela ainda teria 2 a 3 horas para, segundo ela, “ser uma pessoa” (dormir, comer, tomar banho). E aí ela conclui, lamentando que ninguém a tivesse orientado que esse intervalo de 2 a 3 horas é contado de começo a começo de mamada, incluindo o tempo de amamentação e não do fim dela ao começo da próxima.
E vem a contagem (dela): A mamada dura de 30 a 40 minutos, depois mais um pouco para o bebê arrotar (pode-se discutir isso), trocar as fraldas e colocar o bebê para dormir, excluindo épocas de gases, cólicas e regurgitações (que podem exigir nova troca de roupas do bebê até da mãe), levando em consideração um só filho (se forem mais...). Vamos fechar em uma hora, pelo menos? E vamos combinar que isso pode acontecer dia e noite?
A produção de leite materno ocupa 24 horas por dia, 7 dias por semana, 365 dias por ano, por dois anos ou mais, até o desmame oportuno. Vale também lembrar que a partir dos 6 meses, com a introdução alimentar, deve acontecer uma transição gradual que costuma modificar o ritmo de amamentação do bebê. Assim, recomenda-se o leite materno como o alimento exclusivo até o 6º mês, a partir daí, mesmo com a introdução alimentar, ainda é o principal, entre os 6 e os 12 meses e, só então, ele pode perder seu protagonismo para a “alimentação da casa”.
Aí, você que leu essa matéria, pode concluir que então não vale a pena ter filhos e muito menos amamentar. Muita calma nessa hora. Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. O leite materno é o padrão-ouro da nutrição infantil, ou seja, o melhor alimento que um bebê humano pode receber desde a sala de parto até o desmame. Mas, a responsabilidade desse cuidado não pode ser exclusivamente da mulher, da mãe, da lactante e, a ela, se somarem todos os outros cuidados não remunerados com a casa, com a família.
Enquanto a amamentação, mesmo que até dois anos ou mais, tem “prazo de validade” (algum dia, o desmame ocorre), o cuidado com os filhos não acaba. Ele pode se transformar com o decorrer do tempo, mas é um contínuo e constante trabalho de cuidado, que se acumula com os outros “serviços não remunerados” mais relacionados ainda, apesar de muitas tentativas de mudança, muito mais à mulher do que ao homem.
Tentativa de ajuste do caminho
Esse texto ficou empacado comigo por quase 3 semanas. Eu li, reli, revisei, apaguei, reescrevi e a impressão ainda se mantém forte. Será que se alguém ler esse texto pode se sentir desmotivado a formar uma família com filhos e amamentar?
Mas eu sei que essa não é a minha intenção. A decisão sobre tudo isso cabe sempre a cada indivíduo, de preferência bem-informado, apoiado, sem qualquer pressão ou julgamento. E, no que diz respeito à amamentação, a decisão, o protagonismo foi, é e sempre será da mãe.
Tenho que voltar para algum (talvez muito) tempo atrás, quando começou a ser revelado o quanto a amamentação era (ainda é) romantizada e o choque que isso causava nas mães, especialmente as lactantes. Desromantização passou a ser a trend (isso muito antes de se falar sobre trends no Google).
Normalizou-se o sofrimento, a dor, as noites sem dormir, a culpa, o sacrifício, o desemprego, a responsabilidade da mãe. E isso sem apoio adequado (afinal, ela é mãe e dá conta), sem empatia (afinal, ser mãe é padecer no paraíso), com julgamento (afinal, a entrega da mãe tem que ser total pelo seu filho).
Lembra da frase africana que é preciso uma aldeia inteira para educar uma criança? O esforço tem que ser coletivo. Assim, da mesma forma, é preciso uma aldeia inteira para “amamentar” uma criança. Rede de apoio é o mundo conspirando a favor da amamentação.
E de Chorão a Machado de Assis
“O tempo passa e um dia a gente aprende, hoje eu sei realmente o que faz a minha mente. Eu vi o tempo passar e pouca coisa mudar”.
Chorão - Senhor do tempo (música).
“Não importa ao tempo o minuto que passa, mas o minuto que vem”.
Machado de Assis - Memórias Póstumas de Brás Cubas (livro).
O tempo passou. A gente não aprendeu. Pouca coisa mudou.
Mas o minuto que vem traz esperança que pode levar à ação.
Trabalho de cuidado. Desromantizar. Rede de apoio.
Precisamos pensar mais sobre isso, toda hora.
Precisamos debater mais sobre isso, sem demora.
Precisamos agir mais sobre isso, AGORA.
Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545