Do site da Crescer
Estudos reforçam os benefícios do aleitamento materno tanto para os filhos quanto para as lactantes
por Dr. Moises Chencinski - colunista
27/05/2025
Artigo 5º da Constituição da República federativa do Brasil de 1988
“LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Traduzindo do juridiquês para o português:
Todos são inocentes até que se prove o contrário.
Por mais incrível que possa parecer, as mães, os bebês, profissionais de saúde materno-infantil (uma parte deles), diariamente têm que travar batalhas e mais batalhas para comprovar que o leite materno é “inocente” e que ele continua sendo o padrão-ouro da alimentação infantil.
E nessa luta constante, os “adversários são muito poderosos” e, “nem sempre” leais (olha como estou poético e “calmo” hoje), utilizando-se de ferramentas (pode chamar de armas) cada vez mais modernas, poderosas e devastadoras (nesse caso, o poder econômico, político, as redes sociais, o marketing abusivo e até a inteligência Artificial).
Com isso, o aleitamento materno (AM) tem que se provar “inocente” e válido o tempo todo. O leite humano tem que se esmerar para ser aceito como a opção mais apropriada na nutrição infantil, com benefícios para o bebê, para as mães, para a sociedade, para a economia, para o meio ambiente (aliás, é sobre isso que essa coluna trata desde o seu surgimento).
Amamentar é um direito de mãe e bebê e tudo o que colocar essa possibilidade em risco precisa ser esclarecido, informado e contido. Mãe e bebê são os protagonistas da amamentação. É deles a decisão, com base em informações éticas, atualizadas, cientificamente embasadas e sem conflitos de interesses.
Primeiro a ciência
Entre os temas que mais geram debates na nutrição infantil, um dos mais comuns (por vozes da cabeça de alguém que desconhece a natureza humana) é:
Por quanto tempo se deve amamentar?
OMS: A recomendação é o aleitamento materno desde a sala de parto até dois anos ou mais, exclusivo e em livre demanda até o sexto mês.
Simples assim. Mas, precisa provar né? Começando por evidências.
Esses são só 3 dos estudos recentes sobre o tema.
Publicada na Nature, essa pesquisa aborda a relação do tempo de amamentação (acima de 1 ano) com crescimento, desenvolvimento e na dieta das crianças pequenas.
As crianças foram divididas em 3 grupos de alimentação:
1) Alimentadas com fórmulas.
2) Amamentadas até 12 meses (1 ano).
3) Amamentadas até 24 meses (2 anos).
Os resultados apontaram para uma melhor adequação no crescimento, no desenvolvimento e no estado nutricional para o grupo de crianças amamentadas até 2 anos (24 meses), comparada aos outros 2 grupos.
Essa pesquisa reforça a recomendação atual da Organização Mundial de Saúde de AM até dois anos ou mais.
Outros dois estudos trazem a importância da amamentação prolongada para as lactantes.
O segundo, conduzido por pesquisadores da Universidade de Yales (Estados Unidos) defende que a amamentação prolongada pode ajudar na redução dos riscos de câncer de mama triplo negativo.
A idade menor de 25 anos para o primeiro parto e a amamentação por menos de 6 meses foram fatores relevantes para uma taxa de 12% entre as mulheres brancas e 15% entre as mulheres negras.
A conscientização sobre os benefícios do AM e um investimento nas políticas no local de trabalho para atender às mães lactantes podem favorecer a diminuição dessas taxas. Além disso, o estudo ressalta a importância de controle da influência das indústrias fabricantes de fórmulas infantis nas decisões sobre políticas públicas.
E o terceiro foi uma revisão bibliográfica revisão sistemática que investigou os benefícios de curto e longo prazo da amamentação na saúde física e mental das mães.
Em curto prazo, foram observadas melhora da saúde mental com redução das taxas de depressão pós-parto, sono de melhor qualidade, redução do IMC, menos sangramento durante o pós-parto, entre outros.
Já em longo prazo, a revisão aponta para maior prevenção de doenças cardiovasculares, redução da incidência de câncer de mama e ovário e diminuição da incidência de diabetes mellitus tipo 2.
Agora a luta. Leite materno na Assembleia Mundial de Saúde.
Não é de hoje que temos leis que buscam proteger, apoiar e promover a amamentação. Na esfera trabalhista, as licenças-maternidade (entre 4 e 6 meses – aqui ainda não para todas as mães) e paternidade (entre 5 e 20 dias – também ainda não para todos os pais) remuneradas, horários para extração do leite e/ou amamentação direta durante o período de trabalho, creches entre outras.
Em 21 de maio de 1981, a Assembleia Mundial de Saúde aprovou o Código Internacional do Marketing e Comercialização de Substitutos do Leite Materno (118 votos a favor, entre eles o Brasil, 1 voto contra e 3 abstenções). A proposta era a de proteção contra as práticas agressivas de marketing da indústria de alimentos para bebês que, frequentemente, trazem desinformação e, por incrível que pareça (de novo), não precisam provar nada, ou seja, são “inocentes”, mesmo que trazendo propaganda enganosa sobre as “vantagens” dos produtos lácteos em pó sobre o leite materno, mesmo promovendo alimentos não saudáveis para bebês para os pais e mesmo reforçando mitos falsos negativos sobre a amamentação.
No Brasil, a NBCAL (Norma Brasileira de Comercialização de Alimentos para Lactentes e Crianças de Primeira Infância, Bicos, Chupetas e Mamadeiras) foi adotada em 1988 com revisões em 1992, 2011, 2002 e confirmada como lei nacional em 2006 (Lei 11.265) e decreto de 2.018 (Decreto 9.579), com muita luta de diversos setores da sociedade, especialmente da IBFAN (Rede Internacional em Defesa do Direito de Amamentar - do inglês: International Baby Food Action Network).
Apesar disso, e de muitas outras ações, nossas taxas de AM (na 1ª hora de vida, AM exclusivo até o 6º mês, mediana de AM, entre outras) se encontram estagnadas (8,6% de aumento no AME até o 6º mês em 13 anos – 2.006 a 2.019), especialmente quando comparadas a um aumento de praticamente 750% dos lucros da Indústrias de fórmulas lácteas comerciais no mesmo período.
Isso acontece, também, pelas novas táticas de marketing digital, por meio de influenciadores, alguns "grupos de apoio" virtuais que, financiados pelas indústrias, fazem parte dessa estratégia, sem nem declararem que é publicidade paga, atuando como se de fato fizessem uso dos produtos (táticas bem antigas com ferramentas modernas).
A 78ª Assembleia Mundial de Saúde trouxe um marco histórico nessa trajetória, com a aprovação da Resolução sobre a Regulamentação do Marketing Digital de Substitutos do Leite Materno, em iniciativa liderada pelo governo do Brasil, comparticipação da Noruega e do México. A proposta que foi aceita é a atualização do Código, incluindo um controle mais rígido do marketing em ambientes digitais, que tanto evoluiu desde 1981 (44 anos).
Conheça mais sobre essas resoluções fundamentais da OMS, que visa proteger bebês, crianças pequenas e suas mães do abuso do marketing de leite em pó, bicos e mamadeiras, bem como alimentos e junte-se a nós nessa caminhada pela saúde materno-infantil, contra os abusos do marketing da indústria.
Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545