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E se eu te disser que todos nós nascemos prematuros?

Do site da Crescer

No mês da prematuridade, nosso colunista, o pediatra Moises Chencinski, aborda como funciona o desenvolvimento dos bebês, destacando que todos eles permanecem imaturos por um tempo

por Dr. Moises Chencinski - colunista

04/11/2025

Difícil de acreditar, de entender, de aceitar?

Também achei quando ouvi essa frase em uma aula. Quando perguntei de onde vinha essa informação, não tive uma resposta convincente e fui atrás dela (da resposta). Muita pesquisa, muita curiosidade.

Até já escrevi várias vezes sobre a prematuridade e os prematuros aqui na coluna:

2021: O prematuro nasce com pressa
2022: Prematuros “mentem” a idade?
2022: Garanta o contato pele a pele com os pais desde o momento do nascimento
2022: Não sabendo que era impossível, ele vai lá e faz. Isso é um prematuro
2022: Nunca separe um bebê de sua mãe. “Nem se” e “mesmo que” ele seja prematuro
2023: Prematuro: a força de uma vontade indomável

Depois de muito procurar, veio a recompensa através de um artigo publicado em outubro de 1961 no JAMA Network (Journal of the American Medical Association), da autoria de um antropólogo inglês, Ashley Montagu.

Traduzi os dois primeiros parágrafos para esclarecer essa ideia de 64 anos atrás.

Por que os seres humanos nascem em um estado tão imaturo que levam de 8 a 10 meses para que um bebê humano consiga engatinhar e mais 4 a 6 meses para que consiga andar e falar? O fato de que muitos anos se passarão antes que a criança humana deixe de depender de outros para sua própria sobrevivência constitui mais uma prova de que o homem nasce e permanece mais imaturo por um período mais longo do que qualquer outro animal.

O elefante recém-nascido e o gamo conseguem correr com a manada logo após o nascimento. Com seis semanas de idade, o filhote de foca já aprendeu com a mãe a se locomover sozinho no mundo aquático.”

Fiquei tão impactado com essa proposta que ela está no livro “Aleitamento Materno na Era Moderna. Vencendo Desafios” (do Departamento Científico de Aleitamento Materno da Sociedade de Pediatria de São Paulo), que eu coordenei.

De acordo com Montagu, o cérebro do RN pesa cerca de 300 a 350 gramas, dobrando seu tamanho nos primeiros 3 meses, triplicando no primeiro ano e chegando quase ao tamanho do adulto aos 3 anos (1.300 gr) - todos os bebês humanos nascem prematuros”.

E o que falar do “cardápio” necessário e suficiente de um bebê até o sexto mês de vida, do padrão-ouro da alimentação infantil: o leite humano. Já expliquei por aqui que “é considerado um alimento vivo, que se modifica e se adapta do começo ao final da mamada, do começo ao final do dia e com o decorrer do tempo para oferecer ao bebê a composição mais adequada, que pode suprir suas necessidades nutricionais, desde o nascimento, em cada fase de sua vida, até quando ocorrer o desmame total oportuno.”

Ou seja, o bebê só vai precisar de um outro tipo de “comida” e só vai estar preparado para comer após o sexto mês de vida, quando se observam sinais de prontidão (SBP):

- Sustentar a cabeça e o tronco;
- Sentar-se (sozinho ou firme com apoio);
- Perder o reflexo de esticar a língua para mamar (protrusão de língua).

Além disso, ele fica mais curioso e abre a boca para provar novos alimentos, algumas enzimas que ajudam na digestão agem melhor, a microbiota do intestino do bebê está mais preparada e o protege de infecções e o seu sistema imunológico está mais preparado para ter contato com novos nutrientes e proteínas, diminuindo o risco de provocar alergia alimentar.

O mesmo Ashley Montagu “criou” o conceito de exterogestação, “estendendo a duração da gravidez” de 9 para 12 meses, sendo que o último trimestre aconteceria fora do útero, em uma transição para a vida “terrestre” (fora da proteção da “barriga da mãe”). Esses três meses mostram que todos os bebês ainda precisam de um tempo para estarem “quaaaaseee prontos” (que na realidade poderia ser esticado até pelo menos 9 meses quando, por exemplo, a movimentação – engatinhar, ficar em pé, andar – se instala).


E os prematuros prematuros mesmo? 

Tem alguns bebês mais apressadinhos, mais ansiosos, que não conseguem esperar o seu amadurecimento dentro de casa (o útero) e resolvem aparecer de surpresa, sem avisar. E, por conta de uma imaturidade maior de seus sistemas, precisam de um suporte mais tecnológico para que possam passar por essa fase. No Brasil, ainda persiste a taxa de quase 300 mil prematuros nascidos ao ano (uma média de 12,2% dos partos em 2024)

O que não pode faltar para nenhum bebê, independentemente do tempo de gestação, da forma que nasceram, de estarem ainda no hospital ou já em casa, é o acolhimento, o calor humano, aquele quentinho na alma que se atinge através do contato pele a pele, da presença constante dos pais ao lado de suas crias, sem restrições. Vale ressaltar a importância da equipe de saúde que pode favorecer a evolução desses pequenos guerreiros vencedores durante o período em que ainda não estão em casa e, enquanto for necessário, até depois da alta hospitalar.

Lembra do leite humano? O alimento vivo? Aquele que se modifica? Então...

Sempre que possível, a amamentação deve ser estimulada. Só para relembrar (sim, já escrevi aqui também sobre isso):

O leite de mãe de bebês prematuros se adapta às necessidades desse bebê de maneira personalizada. O seu colostro tem mais calorias (58 vs 48 cal por 100 ml de leite de mãe) e mais gordura (3 gr vs 1,8 gr) do que o de mães de bebês a termo. E depois que passa para o leite maduro (26 a 29 dias) a proporção de calorias (70 vs 62) e de gordura (4,1 vs 3) ainda pesa a favor do leite de mães de prematuros.”

E, quando não for possível amamentar, a mãe pode ser orientada a extrair seu leite na Rede de Bancos de Leite Humano (BLH) ou na própria maternidade, para que ele seja oferecido ao seu bebê. Assim, ela mantém e aumenta a sua produção e o seu bebê recebe o seu padrão-ouro de alimentação, que favorece a alta mais precoce.

Tudo isso para reforçar o tema desse Novembro Roxo e do Dia da Prematuridade (agora oficiais no Brasil – obrigado ONG Prematuridade.com):

Garanta aos prematuros, começos saudáveis para futuros brilhantes

E no dia 17 de novembro, vista roxo pelos prematuros.

Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545