Do BLOG da Editora TIMO
por Dr. Moises Chencinski - colunista
02/12/2025
Não sei se vou trazer muitas novidades para todos nesse texto, mas, talvez, organizar as informações de uma forma diferente para provocar uma reflexão, com outros pontos de vista possíveis, possibilidades de análises distintas e revisão de conceitos e propostas.
Curiosidade e inquietação me movem constantemente.
O foco nem é o aprofundamento em cada item, mas uma conscientização do processo que, muitas vezes, não é valorizado adequadamente e, em outras, ignorado por quem não vivenciou todo o panorama envolvido com a amamentação e seu entorno (antes, durante e depois). Segue o “flow”.
GRAVIDEZ
Pré-natal desde o início da gestação, com acompanhamento periódico em consultas (Portal de Boas Práticas em Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente do IFF-Fiocruz e FEBRASGO).
- Mensal até 28 semanas
- Quinzenal de 28 a 36 semanas
- Semanal de 36 a 41 semanas.
Cuidados adequados com orientações a respeito do consumo de alimentos naturais e redução significativa dos ultraprocessados, controle de sal, frituras, alimentos crus ou malcozidos, evitando grandes períodos de jejum. (Ministério da Saúde)
Calendário vacinal para o período gestacional (2025) – SBim (privado) e Ministério da Saúde (público). Contraindicadas na gravidez: Sarampo, caxumba, rubéola, catapora, HPV e dengue.
Exames laboratoriais e de imagem, de acordo com cada trimestre da gestação e com situações especificas para cada gestante como diabetes gestacional, hipertensão, (Portal do IFF-Fiocruz)
Suplementação, quando a gestação for programada, de ácido fólico (pelo menos 30 dias antes da gestação até o final, para ajudar na formação do sistema nervoso do feto-bebê), ferro e cálcio.
Uma consulta com o pediatra a partir da 32ª semana de gestação, conforme recomendação da Sociedade Brasileira de Pediatria, quando recebe orientações a respeito dos cuidados com o recém-nascido na maternidade, aleitamento materno, doação de leite (para até se preparar para a volta ao trabalho), introdução alimentar, vacinação, crescimento e desenvolvimento do bebê e esclarecimento de dúvidas.
Cada fase desse processo influencia na seguinte e no desfecho, e a mulher tem o direito de participar ativamente das decisões de cada uma dessas etapas e todas elas são fundamentais como uma “preparação” para que a mulher queira, possa e consiga amamentar.
PARTO
São “9 meses de gestação” se preparando para “um dia de parto”. Está entre aspas porque essa é só uma “generalização ilustrativa”. Nem todas as gestações duram 9 meses (no Brasil, por exemplo, temos uma taxa atual de cerca de 12% de partos prematuros – perto de 300 mil partos ao ano) e nem todos os partos (junto com o trabalho de parto) duram um dia. Mas dá para se ter uma ideia de grandeza (versus “pequeneza”).
Isso quase todo mundo sabe. Mas sabe o que quase todo mundo não sabe? Que existe a possibilidade de a gestante formalizar um Plano de Parto (alguns exemplos – IFF-Fiocruz, Casa Ângela – Centro de Parto Humanizado, Pastoral da Criança), recomendado, por exemplo, pela OMS desde 1986, com a meta de garantir o direito de escolha da mulher por um local seguro e respeitoso para parir, sem intervenções desnecessárias.
Nesse documento, a mãe informa o que julga importante durante seu período de estadia na maternidade (desde sua chegada até sua alta), no que diz respeito a todos os seus cuidados e à atenção à sua cria, conversa com a equipe de saúde que a acompanha no pré-natal para esclarecimentos e ajuda no seu preenchimento, mas, deixando muito claro que a decisão final é dela, desde que não haja intercorrências que coloquem em risco a saúde e a vida da díade mãe-bebê. Em caso de alguma restrição ao plano de parto, a equipe de saúde deve esclarecer e oferecer outras possibilidades de conduta.
Como não há divulgação ampla sobre o Plano de Parto, nem as mães e nem os serviços de saúde (maternidades) têm seu conhecimento mais aprofundado e, muito menos, sua aplicação e respeito.
A primeira hora pós-parto, a Hora Dourada, pode ser determinante na relação e na saúde da díade. O contato pele a pele, o corte do cordão em momento oportuno e a primeira mamada ao seio definem ações simples, naturais e cientificamente comprovadas que podem fazer desse momento, dessa hora, um passo fundamental para o sucesso de próximas fases (formação da microbiota do bebê, controle térmico, amamentação, entre muitas outras, todas importantes).
A nossa realidade? Apenas 62,4% dos recém-nascidos mama na primeira hora de vida. Contando com uma taxa de nascimentos prematuros (perto de 12%) e imaginando que nenhum deles pudesse mamar nessa primeira hora de vida (o que é muito longe da realidade), ainda assim teríamos perto de 25% de bebês que não têm a chance desse passo inicial. Nessa mesma estatística (ENANI-2019), 25% dos lactentes já saem da maternidade sem aleitamento materno exclusivo, mesmo com o alojamento conjunto sendo regra. O documento científico da SBP reflete o uso abusivo de fórmulas infantis na maternidade, até em recém-nascidos sadios e a termo.
E A VIDA. E A VIDA O QUE É, DIGA LÁ MEU IRMÃO...
Segundo o ENANI-2019, as taxas de aleitamento materno exclusivo (AME) caem assustadoramente mês a mês (lembra que só 75% dos recém-nascidos saem de alta em AME). Com 2 meses de vida, esse número já chega a 50%, aos 4 meses 25% e aos 6 meses... acredite... 1,3%. Pausa para vocês voltarem e lerem de novo e entenderem isso.
Quando se diz que a taxa de AME em crianças abaixo de 6 meses é de 45,8%, isso representa o cálculo proporcional da amostra, somando todas as crianças. Mas, mês a mês a conta é outra, e aos 6 meses, com 6 meses de vida, no Brasil, apenas 1,3% das crianças está em aleitamento materno exclusivo.
Mas o que aconteceu para essa queda tão “inesperada”?
Gosta de uma lista? Vamos lá... resumido e não necessariamente nessa ordem.
* Pré-natal sem orientação a respeito de amamentação e doação de leite.
* Maternidade que estimula o uso de fórmulas desnecessárias.
* Profissionais de saúde materno-infantil despreparados e não atuantes na proteção, apoio e promoção a amamentação.
* Marketing agressivo de produtos lácteos comerciais, chupetas e mamadeiras que influencia, de forma abusiva e até ilegal, através de influenciadores que são e, principalmente, que não são da área de saúde, sem nenhuma ética ou conhecimento, relatando apenas suas experiências pessoais.
* Rede de apoio inadequada ou insuficiente ou Rede de Agouro.
* Licença-maternidade inadequada e insuficiente, quando existente.
* Locais de trabalho sem sala de apoio à amamentação e horários inflexíveis.
* Alta taxa de trabalhadoras informais, sem direitos trabalhistas.
* Licença-paternidade inadequada, quando existente.
* Trabalho de cuidado não reconhecido e não remunerado.
* Políticas públicas inadequadas ou insuficientes ou ausentes na proteção, apoio e promoção do aleitamento materno.
* Cultura do desmame.
Pode, se é que é preciso, mas é real, acrescentar outros obstáculos nessa trajetória. Eu, com certeza, não consegui cobrir todos.
Acho que fica claro, dessa forma, o porquê de tanto ser citada e valorizada a mulher que quer, pode e, principalmente, consegue amamentar desde a sala de parto até dois anos ou mais, de forma exclusiva até o sexto mês.
Ainda assim, grande parte das mulheres que podem amamentar já é desestimulada no querer.
Amamentar é para todo mundo, mas não é para qualquer um...
E o que nós, como indivíduos e como sociedade, podemos fazer para mudar essa situação? Vai outra pequena e incompleta lista, também não necessariamente nessa ordem?
* Conhecer, reconhecer, não minimizar.
* Vivenciar, com todos os nossos sentidos, a realidade da amamentação no Brasil.
* ESTUDAR. Não há saúde sem educação. E não há educação sem saúde.
* Não nos rendermos à força da grana que ergue e destrói coisas belas, mais uma vez Caetaneando.
* Deus me proteja de mim, da maldade de gente boa, e da bondade da pessoa ruim (cada dia mais presente e mais escancarada e, mesmo assim, cada dia menos visualizada e menos respeitada – Chico Cesar, daqui a pouco tenho que pagar direitos autorais de tanto que eu uso).
* AGIR ORGANIZADAMENTE, COM FOCO, COM VERDADE E DE FORMA ÉTICA.
A lista é grande e se cada um se interessar e fizer um pouquinho a mais podemos crescer em cidadania, com acolhimento, respeito e dignidade. Tô indo. Quem vem comigo (e com uma turma que já está aí)?
Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545