Da Revista Materlife - nº 84
Quando falamos a respeito da TV, nós estamos resumindo um problema que hoje é muito mais amplo. Podemos associar na mesma situação os computadores, videogames, DVDs, iPods e outros eletroeletrônicos que as crianças acessam com grande facilidade.
Vivemos hoje em um mundo onde diminuímos as distâncias e paradoxalmente afastamos as pessoas.
Já há algum tempo, a mulher (mãe) iniciou sua busca por um espaço de igualdade no campo profissional, com muito sucesso, estando cada vez mais envolvidas e comprometidas com suas aspirações pessoais, sendo parte importante da renda familiar.
O homem (pai) se mantém na busca de sua hegemonia profissional e ainda mantém uma elevada porcentagem de responsabilidade no sustento da família.
Assim, as crianças (filhos) passaram a ser criadas, em sua maior frequência, pelas avós, pelas babás no período em que não estão nas escolas.
Assim, o "homem-pai" e a "mulher-mãe" só têm contato com suas "crianças-filhos", no período da noite, quando esses deveriam estar se preparando para dormir e aos finais de semana quando teriam o tempo todo disponível para fortalecer o vínculo familiar.
Porém à noite, quando se encontra em casa, após um dia estafante de trabalho, existe o 3º período, normalmente delegado à "mulher-mãe" com o preparo do jantar, os cuidados de banho e alimentação da criança. O "homem-pai", por sua vez, pode dedicar algum tempo à "criança-filho" enquanto a mulher tenta executar suas tarefas com a maior brevidade.
É a partir dessa situação que estamos vivendo nessas últimas duas décadas que as "crianças-filhos" precisavam de uma babá que pudesse ajudar esse casal nesse momento, com custo baixo e eficiência.
Criaram-se, assim, as "babás-eletrônicas" como a TV, os DVDs (levados até em restaurantes para que as crianças assistam hipnotizadas enquanto comem sem que saiam do seu lugar e incomodem o casal ou o resto dos clientes).
E sempre que existe a necessidade elas podem ser acionadas, a qualquer hora do dia e da noite, em qualquer situação, inclusive diminuindo a carga de pressão que recai sobre os avós, já se tanta paciência assim para esse "serviço" e também para as babás, que não precisam, dessa forma, manter 100% de atenção constante.
Além do "desvínculo familiar", esse hábito, que se inicia cada vez mais cedo, pode trazer uma série de problemas bio-psico-físico-sociais a essa "criança-filho" a curto, médio e longo prazo.
Assim, é muito importante que se esclareça que o excesso de TV e de "babás-eletrônicas" é uma consequência de todo esse panorama e não sua causa.
Essa é uma explicação mais simples e não abrange toda a complexidade do assunto, mas resume um pouco a situação que a família vivencia nos dias de hoje.
Todo o excesso pode ser prejudicial. Assistir TV não foge a essa regra. Problemas na atenção, no aprendizado, sobrepeso podem ser algumas das situações mais comuns. Quando a criança come e não presta atenção no que e no quanto está comendo, são grandes as chances de desequilíbrio alimentar, gerando, não raro, problemas posteriores associados ao apetite. O exemplo dos DVDs levados a restaurantes para que as crianças permaneçam sentadas e comam é cada vez mais comum. Elas estão muito mais ligadas no que estão vendo (o DVD) e podem não demonstrar saciedade, comendo até mais do que deveriam.
Trabalho publicado em 12/09/2011 no Pediatrics (Jornal oficial da Academia Americana de Pediatria), realizado no Departamento de Psicologia da Universidade de Virginia, Estados Unidos, analisou o impacto imediato de diferentes tipos de programas de televisão em um grupo de crianças na execução de funções, através de testes reconhecidos. A conclusão foi que apenas 9 minutos de exposição a determinados tipos de cartoons apresentam efeitos negativos imediatos na execução de funções em crianças de 4 anos.
Há que se ressaltar nesse estudo que as crianças foram expostas a apenas 9 minutos do programa de TV e, normalmente, cada programa tem duração de 30 minutos e a exposição das crianças à TV é de 90 minutos por dia (10 vezes maior).
Como já foi visto, a mudança na dinâmica da família é uma das principais responsáveis por essa constatação. É mais cômodo, mais fácil, menos trabalhoso, mais prático do que ter que ajustar uma nova rotina, após um dia longo de trabalho, nem sempre tão feliz.
A TV associada a essa parafernália eletroeletrônica apresenta essa influência. Sabedores dessa nova dinâmica familiar, os anunciantes preparam cada vez mais suas propagandas direcionadas a esse novo grupo de "telespectadores" mais suscetíveis a "comprar as ideias vendidas". Já há grupos que começam a estabelecer certa resistência a essas atitudes tentando limitar a divulgação dessas propagandas direcionadas às crianças em horários onde elas, sabidamente, estariam à frente dos aparelhos de TV.
Proibir nunca é o ideal. O melhor seria não termos que chegar a esse ponto. O mais recomendável seria que os pais pudessem se programar melhor para suprir seus filhos do contato, do vínculo e da atenção tão necessárias na fase de formação da criança.
Brincar com eles, contar histórias, desenhar, cantar, dançar são atividades que geram muito mais interesse e desenvolvem muito mais a imaginação, o lúdico e o vínculo familiar dessa criança em desenvolvimento.
Assim, se os pais compreendessem que a partir do nascimento de seu filho há outras prioridades e se a rotina fosse outra, certamente não seria necessário proibir a TV. O espaço que sobraria para essa atividade seria certamente engolido por outra mais interessante junto à família.
Porém, segundo a Academia Americana de Pediatria, crianças abaixo de 2 anos não deveriam ser expostas à TV e acima disso, até 5 anos, no máximo uma hora ao dia. Vale ressaltar, mais uma vez, que enquanto falamos TVs, estamos também nos referindo aos outro eletroeletrônicos.
Enquanto não estão em casa, os pais poderiam conversar com as avós e as babás estabelecendo uma rotina que não incluísse a TV, pelo menos até os 2 anos e limitasse seu uso após essa idade.
A TV não pode ser uma razão para que as crianças não queiram sair de casa, para que elas se privem do contato social, da atividade física saudável e regular, da alimentação equilibrada e do ambiente de refeições calmo para que o alimento possa ser apreciado e não "engolido".
A escolinha ou berçário podem ser uma opção para quando haja dificuldade de deixar essas crianças com alguém da família ou com babás.
E para as noites da semana e finais de semana, toda e qualquer programação precisa incluir a criança como parte interessada.
Quanto mais nova a criança, maior essa necessidade.
Eventualmente ou quando essas crianças crescem mais, a ponto de poderem ficar sob os cuidados de parentes, algumas programações feitas a dois, homem-mulher (casal não pais), também são importantes.
E deixar um tempo limitado para TV e seus semelhantes é uma possibilidade que pode ser real, simples e gratificante.