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Pré-natal e Puericultura: muito pouco valorizados

Do site Difundir e do site JorNow

Prevenir é melhor do que remediar. Até aí nenhuma novidade.

16/09/2014

Dentro da Pediatria, a área que abrange essa questão é a Puericultura. As consultas mensais no primeiro ano de vida, trimestrais no segundo e terceiro anos, semestrais até o quarto ano e anuais a partir daí, de rotina, mesmo que não haja queixas, são ferramentas fundamentais que o pediatra dispõe para promover a saúde das crianças.

Nessas consultas, a criança é preparada para ser um adolescente e um adulto saudável e ter uma vida com qualidade. Orientações simples, mas fundamentais, devem ser a base dessas consultas. Infelizmente, pelos resultados que observamos atualmente, é fundamental reforçar a importância dessas recomendações.

Aleitamento materno, introdução alimentar, vacinação adequada são alguns dos pontos que estão se mostrando deficientes em sua informação, entre outras:

- Aleitamento materno exclusivo de 51 dias (quando a meta é de 6 meses).

- Obesidade infantil, diabetes tipo 2, hipertensão arterial, dislipidemias em altas taxas na infância (doenças de adulto que apresentam hoje uma alta prevalência na infância, em grande parte por uma introdução alimentar precoce e manutenção de um padrão nutricional que foge muito das recomendações da boa alimentação).

- Aumento da taxa de alergia à proteína do leite de vaca (APLV), com grande responsabilidade da primeira (e às vezes até única) mamada de fórmula infantil oferecida nas maternidades pela equipe do berçário pelas mais variadas “justificativas”.

Mas essa recomendação tem sua responsabilidade apenas na área de atuação do pediatra e do neonatologista? Será que o pediatra já não tem em suas mãos, desde a primeira consulta, um paciente que tem um “passado que o condena”?

Altas taxas de cesariana (elevadíssimas nas maternidades privadas – 85% quando a recomendação da OMS é de 15%), orientação deficiente de aleitamento materno, recomendações inadequadas sobre suplementação vitamínica, sobre vacinação adequada durante o pré-natal fazem do feto e do recém-nascido um paciente mais suscetível e mais propenso a adoecer.

A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) recomenda uma consulta da gestante com o pediatra a partir da 32ª semana de gravidez.

Durante o texto, vou propor algumas perguntas para que se inicie uma reflexão a respeito dessa situação. Não precisa responder pra mim não. Mas tente se lembrar disso na sua próxima (ou até atual) gestação.

Pergunta 1: Você, gestante, fez uma consulta com o pediatra antes de seu bebê nascer?

Pré-natal: a puericultura da gestante

Toda mulher deve ter sua consulta anual com seu ginecologista quando devem ser feitos exames de rotina, preventivos, orientações e recomendações de bons cuidados de saúde, incluindo, aí, a prática do autoexame.

Pergunta 2: Você recebeu orientação do seu ginecologista sobre autoexame de mamas em suas consultas de rotina?

Pergunta 3: Você faz seu autoexame de mamas com que regularidade?

Aí, a mulher engravida e transfere seus cuidados de ginecológicos para obstétricos e muda seu acompanhamento de seu ginecologista para seu obstetra que, na imensa maioria das vezes, é o mesmo médico.

O ideal é que as gestações sejam programadas para que antes de a mulher engravidar ela possa ter alguns cuidados, especialmente o início do uso de ácido fólico, de um mês antes até o 3º mês de gestação, conforme recomendação da FEBRASGO e do CFM. Essa medida auxilia a formação e o fechamento do tubo neural do feto e “previne casos de anencefalia, paralisia de membros inferiores, incontinência urinária e intestinal nos bebês, além de diferentes graus de retardo mental e de dificuldades de aprendizagem escolar", conforme cita a FEBRASGO nessa orientação.

A suplementação de ferro deve ser feita desde o início até o final da gestação, conforme orientam a Diretriz da OMS (2012) e o Manual de condutas gerais do Programa de Suplementação de ferro do Ministério da Saúde (2013).

Dados estimam que 41,8% das gestantes em todo o mundo sejam anêmicas e que, pelo menos metade dos casos pode ser atribuída à deficiência de ferro, com os demais casos sendo resultantes de outras condições como deficiência de folato, vitaminas B12 ou A, inflamação crônica, infecções parasitárias e distúrbios hereditários.

Alimentação adequada deve ser orientada com, por exemplo, aumento da oferta de ômega 3 nas refeições no último trimestre de gestação para favorecer a ligação e a comunicação dos neurônios já nos fetos. Isso sem contar que a alimentação saudável promove mudanças no sabor do líquido amniótico e estudos mostram uma maior aceitação alimentar em crianças em que suas mães tiveram um padrão nutricional saudável na sua gestação.

Evitar o uso de tabaco na gestação. Evitar totalmente a ingestão do álcool na gestação previne o quadro de Síndrome Alcoólica Fetal (SAF) que é uma campanha da Sociedade de Pediatria de São Paulo que passará a ser divulgada na mídia de forma mais intensa a partir da segunda semana de setembro de 2.014. Deformações faciais, baixo peso, retardo mental, problemas na motricidade, na aprendizagem, memória, fala, audição, atenção e para resolução de problemas, na escola e de relacionamento são algumas das possíveis consequências irreversíveis nessa síndrome e independe de quantidade e tempo de uso do álcool.

Pergunta 4: Você recebeu essas recomendações e explicações durante o seu pré-natal?

E as mamas na gestação?

Algumas informações que colhi em pesquisas informais, em grupos do facebook e com minhas pacientes, me trouxeram dados no mínimo preocupantes.

Também no meu atendimento diário de consultório há uma altíssima prevalência do parto cesariana e em grande parte por opção das mães. Medo de dor, histórico familiar, cesariana anterior foram algumas das razões alegadas. Não tenho a menor dúvida de que a decisão sobre a mais adequada via de parto deve ser conjunta entre os pais e o profissional que os atende. 

Mas essa decisão precisa ser embasada em fatos, com informações as mais abrangentes possíveis, cientificamente aceitas e comprovadas, porque o bebê que nasce de parto via vaginal tem muitas diferenças em seu prognóstico de vida futura do que o que nasce via abdominal, cirurgicamente, desde a sua saída com colonização de seu intestino por tipos diferentes de bactérias (na formação da microflora intestinal), sendo todos os dados mais favoráveis aos bebês que nascem de parto normal.

Em minhas “pesquisas” obtive dados das mães que mostram que cerca de 80% delas não recebeu nenhuma orientação de seus obstetras durante o pré-natal em relação ao aleitamento materno. Uma delas chegou a meu consultório com uma imensa tristeza por não estar conseguindo amamentar seu bebê de 15 dias de vida por ter seu bico realmente invertido, o que causava desconforto e fissuras na mama da mãe e dificuldade na pega do bebê (sem contar que já tinha saído da maternidade com receita de fórmula em mamadeira).

Quando eu perguntei a ela se isso não tinha sido avaliado ou comentado durante o pré-natal ela me disse, acreditem, que o seu obstetra não tinha examinado sua mama durante todas as consultas de seu pré-natal. Essa informação que ela me passou gerou a curiosidade de saber se isso tinha sido só com ela ou se era uma atitude mais generalizada. Até agora, e isso aconteceu há 2 meses, entre todas as minhas consultas e em aulas que dei depois disso, apenas uma das mulheres disse que o seu obstetra tinha examinado suas mamas durante o pré-natal. Evidente que seria necessário um estudo mais profundo e ético a respeito, mas isso no mínimo levanta uma preocupação e gera mais perguntas.

A coqueluche (tosse comprida) está voltando, afetando crianças abaixo de um ano de idade (óbitos abaixo de 2 meses). A vacinação contra a coqueluche é composta de 5 doses (2, 4 e 6 meses, com 2 reforços aos 15 meses e outra entre 4 a 6 anos de idade). Foi constatada uma queda dos níveis de anticorpos importante dessa vacina na idade de adolescentes e adultos. Essas crianças são, na maior parte das vezes, contaminadas pelo contato com pessoas que convivem com elas (mãe, pai, cuidadores). Assim, criou-se a recomendação de se vacinar todas as gestantes, em todas as suas gestações (lembre-se que a intenção não é a proteção da mãe e sim a de cada bebê, em cada gestação), com a vacina tríplice acelular adulta, no último trimestre de cada gestação. A partir de 2.015, essa vacina será disponibilizada na rede pública para gestantes nessas condições, gratuitamente.

Pergunta 5: Você recebeu alguma recomendação e explicação sobre aleitamento materno durante o seu pré-natal?

Pergunta 6: Você teve sua mama examinada durante o seu pré-natal?

Pergunta 7: Você recebeu alguma recomendação para tomar a vacina tríplice adulta acelular durante o seu pré-natal?

Uma coisa é clara. Se realmente uma gestante não tem seu seio examinado durante pelo menos 12 consultas em seu pré-natal, consequentemente ela não recebe nenhuma orientação a respeito de aleitamento materno.

Câncer de mama na gestação

O autoexame de mamas, que deve ser feito aproximadamente sete dias após cada menstruação ou, se a mulher não menstrua mais, pelo menos uma vez por mês em qualquer época, é uma prática pouco habitual entre mulheres no Brasil.  

A mamografia, por motivo preventivo, deve ser anual, após os 40 anos de idade, e de dois em dois anos dos 50 aos 69 anos. Para pessoas com história familiar positiva de câncer de mama, o rastreamento se inicia a partir dos 35 anos.

- O câncer de mama é o tipo de câncer que mais acomete as mulheres em todo o mundo, tanto em países em desenvolvimento quanto em países desenvolvidos.

- Para o Brasil, em 2014, são esperados 57.120 casos novos de câncer de mama, com um risco estimado de 56,09 casos a cada 100 mil mulheres.

Esses são dados de uma estimativa do INCA (Instituto Nacional de Câncer) de 2014 sobre a incidência de câncer no Brasil.

Durante a gestação, pelas dificuldades maiores na avaliação, o autoexame fica bem menos frequente. Apesar de mais raro, o câncer de mama na gestação acontece, é mais grave e mais letal.

Considera-se câncer de mama na gestação às neoplasias diagnosticadas na gravidez e até um ano após o parto. Estima-se que sua incidência seja 0,02 e 3,8% das gestações e sua frequência de um caso entre 3.000 a 10.000 partos, quase tão comum quanto o câncer de colo de útero.

Segundo uma revisão sobre câncer de mama e gestação (publicada em 2013), com dados entre 1989 e 2012, “a avaliação do câncer na fase de gestação e amamentação é comprometida pelo aumento do volume e da densidade mamária, maior celularidade, grande número de mitoses, acentuada vascularização local e retenção hídrica, o que diminui a acurácia da mamografia ou exame físico e aumenta as taxas de resultados falsos-positivos ou negativos do exame anatomopatológico.”

Outra revisão publicada em maio de 2011 na revista FEMINA (Diagnóstico de câncer de mama na gestação: há dificuldades adicionais?). Nesse estudo, os autores afirmam que “no ciclo gravídico-puerperal podem surgir nódulos indolores que passam despercebidos devido ao aumento de volume e ingurgitamento mamário, sendo o diagnóstico retardado em 5-15 meses em 40% dos casos”. E complementam dizendo que “importantes fatores que propiciam o diagnóstico tardio são a baixa prática do autoexame e a inviabilidade do rastreamento mamográfico antes dos 40 anos de idade”.

Há grande discussão na literatura acerca do uso da mamografia em gestantes e da sua eficácia em mulheres com menos de 40 anos e esses são mais um fator que pode retardar o diagnóstico.

A primeira consulta pós-parto é feita por volta de 30 dias depois do nascimento do bebê. Normalmente, nessa consulta o que se avalia é a reação referente à cirurgia, aos pontos e ao estado geral da mulher.

Pergunta 8: Você teve sua mama examinada durante nessa primeira consulta após o parto?

Depois disso, essa mulher só vai ter nova consulta com seu ginecologista após um ano do parto, como rotina.

Resumindo a situação:

- O autoexame de mamas já não é uma prática habitual entre as mulheres no Brasil em qualquer idade;

- O autoexame é prejudicado na gestação e na amamentação pelo aumento do volume das mamas (mesmo que o aleitamento materno ofereça proteção conta esse tipo de câncer);

- As gestantes referem que durante as consultas mensais em seu pré-natal mais do que apenas alguns profissionais não examinaram suas mamas;

- O câncer de mama existe na gestação e puerpério na frequência de um em cada 3.000 a 10.000 partos.

Concluindo

Muitas das questões relacionadas ao pré-natal afetam diretamente a mulher (mãe) e seu bebê de forma marcante e muitas vezes definitiva para o resto de sua vida.

Segundo relatos de estudos e de pesquisas, muitas das recomendações fundamentais para que haja um bom acompanhamento de “puericultura da gestação” (pré-natal) não são adequados.

Segundo informações de muitas mães (que necessitam de estudos mais cientifica e estatisticamente adequados, mas que representam a fala e a experiência pessoal relatada por essas mulheres), não é um hábito rotineiro o exame das mamas da gestante e há pouca orientação e estímulo ao aleitamento materno durante esses 9 meses de acompanhamento.

Uma consulta com o pediatra a partir da 32ª semana de gestação é recomendada pela SBP, mas aí, muitas questões já evoluíram sem condições de mudanças.

A incidência de cesarianas no Brasil é de 41% (recomendação da OMS – 15%). No SUS, essa prática chega a 35% e na rede privada atinge até 85%.

Sabemos que nas maternidades, mesmo que não seja declarado, especialmente nas privadas, há uma oferta de complementação de fórmulas já nos primeiros dias de vida, muitas vezes com mamadeiras e receitas de manutenção das fórmulas na alta “até que o pediatra seja consultado e tente se reverter essa situação, retomando o aleitamento materno exclusivo”.

Assim, quando se analisa dessa forma há duas conclusões que se tornam muito claras:

  1. 51 dias de aleitamento materno (AM) exclusivo com 41% de AM até o 6º mês e uma mediana de 11 meses de AM no Brasil (sem contar a dificuldade de amamentar em público, a licença-maternidade de 4 meses, as dificuldades na sua volta ao trabalho) – PARABÉNS A ESSAS HEROÍNAS que, apesar de tudo o que se faz para inibir e dificultar o aleitamento materno, conseguiram oferecer aos seus filhos um pouco (bem menos do que o recomendado, como sabemos) de proteção e de saúde através de muita persistência e muito amor e apoio de quem conseguiram.

  2. Se quisermos mesmo investir na saúde dessa geração que pretendemos que viva até os 100 anos de idade, com qualidade, saúde e produtividade, temos que mudar muito nossas atitudes. Profissionais da área médica (pediatras, ginecologistas, obstetras, entre outros), da área de saúde de forma geral (psicólogos, nutricionistas, dentistas, entre outros), a sociedade, a mídia, o governo, enfim, todos nós temos que repensar nossas formas de atuação. 

Enquanto essas mudanças não acontecerem, remediar será a nossa única forma de agir e isso é sabidamente mais caro, mais trabalhoso e muito menos eficaz.

Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545