Do site da Crescer
"Não é necessário estar em evidência, como Serena Williams, para receber a pressão socioeconômica da cultura do desmame". Pediatra Moises Chencinski reflete sobre as incontáveis vezes em que mulheres são pressionadas a parar de amamentar por motivos nada plausíveis. Entenda!
por Dr. Moises Chencinski - colunista
10/04/2023
Quantas vezes você ouviu:
- "Pra isso (não interessa o que seja "isso") você precisa parar de amamentar sua filha".
Esse "isso" acontece diariamente, muitas vezes, independentemente de situação social, econômica, política, cultural, e todas as outras áreas que incluem uma "mulher-mãe-lactante-ser humano-profissional".
Não é uma situação para a qual a imensa maioria das mães esteja preparada ou saiba quando, como, onde, mas que tem grande chance de acontecer.
Em meus textos, já abordei o tênis para ilustrar a amamentação e, na época (outubro de 2.022), o tema era a aposentadoria de Roger Federer.
Um mês antes, talvez com menos destaque do que o merecido, Serena Jameka Williams, aos 41 anos, também anunciou que tinha "chegado um momento da vida em que temos que decidir seguir em uma direção diferente" (ela odiava pensar em "aposentadoria").
Serena deixou as quadras com um total de 73 títulos de simples e 23 de duplas. Sua primeira conquista de simples foi em 1999 (aos 18 anos) e o último em 2020 (39 anos). Serena também foi a atleta com mais idade a vencer um Grand Slam no feminino (35 anos) e a ocupar a liderança do ranking da WTA, sendo a terceira com maior número de semanas na ponta (319).
Mulher, negra, jovem, saindo de uma região de classe média baixa, batendo de frente com o machismo e o racismo, abriu caminho para outras mulheres. Venceu o Aberto da Austrália, em 2.017, grávida de 2 meses. No parto, ela teve uma embolia pulmonar e foi operada para retirar um coágulo, voltando às quadras em 8 de março de 2018, em Indian Wells, no Dia Internacional das Mulheres. Em julho de 2018, ela se lamentou por ter perdido os primeiros passos da filha, enquanto treinava para voltar ao ritmo de antes. Mas, como resultado dessa luta, ao final da temporada, a Associação Feminina de Tênis (WTA) atualizou as regras e, desde então, a tenista que se torna mãe tem até três anos para se beneficiar de uma posição especial no ranking para ser classificada para torneios.
E, mesmo assim...
Quando se preparava para a disputa do torneio de Roland Garros (2.018), além da pressão de seus torcedores, seu treinador na época disse que para chegar em condições de disputar o título, ela teria que emagrecer e, para isso, teria que parar totalmente de amamentar sua filha, Alexis Olympia, na época com pouco mais de 6 meses.
Só para constar, ela abandonou Roland Garros antes de jogar contra Sharapova, nas oitavas de final, por uma dor no peito (muscular) que se agravou após seu jogo em duplas no torneio.
Essas informações aparecem em um filme, “Being Serena”, da HBO – lançado em 2019, mostrando sua gravidez e maternidade. O quinto episódio mostra a lenda do tênis vulnerável diante de seu treinador.
E, mesmo que Serena seja uma de poucas, quase todas as mulheres, quase todas as mães, especialmente nos 2 primeiros anos de vida de seus filhos, sofrem esse ou algum outro tipo de pressão.
E um dos principais focos? A AMAMENTAÇÃO.
Precisa tratar dente, pele, intestino, estômago, sono, pouco peso, muito peso, tomar remédio, fazer cirurgia, tratamento estético, engravidou... precisa suspender a amamentação.
Na imensa maioria, quase totalidade das vezes, não é necessário suspender o aleitamento materno por qualquer uma dessas (e de muitas outras) razões.
Na imensa maioria, quase totalidade das vezes, os medicamentos e tratamentos são compatíveis e não trazem riscos nem para a mãe, nem para os bebês e nem para a amamentação.
Essas questões podem e devem ser esclarecidas com os pediatras. Existem sites, estudos e documentos científicos que podem favorecer o conhecimento desses dados. A Sociedade Brasileira de Pediatria traz um desses documentos (2.017) sobre o “Uso de medicamentos e outras substâncias pela mulher durante a amamentação”.
Há um site de busca (e-lactancia.org) disponível em inglês e espanhol (melhor por autocompletar de forma muito parecida com o português), que traz a compatibilidade de mais de 35.000 substâncias ou procedimentos com o aleitamento materno, através do nome da substância a ser pesquisada e pode ser consultado pelos profissionais de saúde de qualquer área (pediatras e todos os outros). Os pais também podem ter esse acesso, mas é sempre recomendável que as decisões sejam tomadas em conjunto com o pediatra que acompanha a criança e avaliará cada situação em especial.
Não é necessário estar em evidência, como Serena Williams e outras mulheres conhecidas, para receber a pressão socioeconômica da cultura do desmame. Até por conta disso, é importante que toda mãe tenha, no mínimo, uma rede de apoio com quem ela possa contar e um pediatra para chamar de seu.
Assim, é possível começar uma real, necessária e definitiva transformação na trajetória da saúde mundial, começando pela materno-infantil (a base da civilização).
Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545