Do site da Crescer
"As dificuldades surgem por falta de políticas públicas adequadas que permitam que essas mães sigam o que a maioria deseja: oferecer o leite materno para seus bebês pelo tempo que julgarem necessário e adequado", diz o pediatra Moises Chencinski sobre o descaso com a amamentação no Brasil
por Dr. Moises Chencinski - colunista
12/12/2023
Começo com parte do meu artigo anterior, aqui na coluna:
“A OMS recomenda a amamentação desde a sala de parto (segundo o ENANI-2019, no Brasil, só acontece em 66% dos casos), exclusivo e em livre demanda até o 6º mês (nossa taxa é de 45,7% com proposta da OMS de 70% até 2.030 – será?), estendido até 2 anos ou mais (o que acontece em 35% dos casos com proposta da OMS de 60% para 2.030).”
Como se não bastassem todos os desafios reais que uma mãe que quer amamentar seu bebê precisa enfrentar (políticas públicas, rede de apoio, volta ao trabalho, carência de profissionais de saúde materno-infantl preparados, entre outras), ela ainda tem que lidar com outro tipo de questões que, por incrível que pareça, podem determinar se, quando, como e até por quanto tempo o aleitamento materno vai acontecer.
Aqui aparecem questões culturais, sociais, históricas que são, muitas vezes, tão ou mais potentes na decisão da mãe do que situações reais e práticas. TABUS.
Para que não pairem dúvidas, dicionário.
TABU:
- Escrúpulo aparentemente injustificado, sem fundamento ou imotivado;
- Assunto sobre o qual não se pode falar devido aos valores sociais ou culturais;
- Interdição cultural e/ou religiosa quanto a determinado uso, comportamento, gesto ou quanto à linguagem.
A partir daqui, já podemos começar os esclarecimentos, que não são sobre os mitos da amamentação (leite fraco ou forte, pouco ou muito leite, mamadas com horário marcado, por tempo determinado etc.). São TABUS.
Assim como amamentar é um direito de mãe e bebê (não uma obrigação), não existe nenhuma restrição, de lugar saudável, em que um bebê não possa sentir fome e não existe lugar algum, saudável, no qual uma mãe não possa amamentar seu bebê, se ela assim o desejar. Banheiros? Não. Salinha para amamentar? Só se a mãe quiser. Agora temos lei para isso. Mãe amamenta se e onde quiser, sem constrangimentos.
LACTOGESTAÇÃO: Manter amamentação do bebê, quando está grávida de novo.
TANDEM: Manter a amamentação dos dois bebês: o recém-nascido e o mais velho.
Temas já abordados aqui. Estudos comprovam a segurança desses procedimentos.
Nem vou me alongar muito (vejam os links). Não é fácil e nem simples. Mas é possível e não há contraindicação formal.
Vamos de dicionário? PROLONGAR:
“Aumentar o comprimento; Alongar(-se) por mais tempo; Estender(-se) no espaço”.
Então, é algo que tinha uma medida e essa medida foi ampliada. Aí vem a pergunta:
“Qual a medida” do aleitamento materno?
Se formos pensar em benefícios, começa desde seu início e vai até muito além do seu fim.
E na questão de tempo (além da definição da OMS de “2 anos ou mais”), qual a “medida certa” para uma mãe amamentar sua cria?
Por 6 meses é exclusivo. Por aqui, todos concordam (eu torço...)
Entre 6 meses e um ano, ainda é o alimento principal (estudos comprovam).
Depois de um ano vira água... Oi?
E depois de 2 anos é só apego... Oi, de novo?
Enquanto mamar, o lactente recebe anticorpos, vitaminas, nutrientes, que cumprem seu papel a cada idade, através do leite materno.
“Mas, é tão feio criança que tem dente, que anda, que fala, mamar no seio da mãe...”
Feio????? Feio é 33 milhões de brasileiros passarem fome. Feio é 700 mil brasileiros morrerem de uma doença que poderia ter sido prevenida, em boa parte do tempo, por uma vacina que não chegou no tempo que poderia e deveria ter chegado.
Quem define por quanto tempo a amamentação deve seguir são mãe e bebê. Ponto.
A volta ao trabalho é uma das causas importantes do desmame precoce, mas pode ser contornado e até ser mantido até o 6º mês, de forma exclusiva. A informação sobre extração, armazenamento e oferta do leite materno deve ser iniciada desde cedo (se a mãe perguntar, até na consulta com o pediatra, recomendada a partir da 32ª semana de gestação) e mais esclarecida em cada consulta. Assim, uma mãe que queira manter a amamentação, mesmo após a volta o trabalho, mesmo que seu bebê fique em creches (hoje estão preparadas para receber o leite da mãe), pode conseguir.
Mas, no Brasil, temos cerca de 40% das mulheres trabalhadoras no setor informal, sem direitos trabalhistas, que não podem e não conseguem seguir essa recomendação. Elas precisam retornar ao trabalho mais precocemente. Então não é por tabus e sim por falta de políticas públicas adequadas que permitam que essas mães sigam o que a maioria deseja: oferecer o leite materno para seus bebês pelo tempo que jugarem necessário e adequado. O possível (e muitas vezes, o inimaginável, elas já fazem).
Esse então é um tabu que vem de todos os lados. Quando se aborda o desmame, quem é ativista da amamentação torce o nariz e quem não é recebe informações de todos os lados e reforços para que aconteça.
Sensação? Estamos no filme do Harry Potter em que quando se aborda Voldemort, ele é citado como “você sabe quem”, ou “aquele que não deve ser nomeado”, senão uma maldição pode acontecer. Ou então, na mesma linha, que não se deve falar sobre sexualidade para crianças e adolescentes pelo risco de que eles sejam influenciados. Não. A informação é a base da proteção e prevenção.
O desmame deve acontecer como, quando e da forma que for possível para a dupla mãe-bebê. A informação pode favorecer a continuidade ou, pelo menos, a percepção da mãe a respeito do processo. Sim. Desmamar é um processo assim como amamentar.
“Contra o mau olhado eu carrego o meu patuá”.
Contra tabus, carregue sua INFORMAÇÃO.
Não tem contraindicações.
Mas procure INFORMAÇÕES éticas, de fontes confiáveis e simples de se entender.
Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545