Do site da Crescer
"Esse é um texto que tem uma introdução dividida entre duas abordagens. A primeira sobre o título", diz o Dr. Moises Chencinski
por Dr. Moises Chencinski - colunista
23/12/2024
Esse é um texto que tem uma introdução dividida entre duas abordagens. A primeira sobre o título.
Esse era um bordão de um programa semanal (Planeta dos Homens – sob a influência do Jô Soares, exibido entre 1976 e 1982), onde o comediante Orival Pessini, caracterizado como o macaco Sócrates, trazia alguns comentários ácidos e, fazendo perguntas desconcertantes, deixava todos desconfortáveis.
Em um dos programas ele falava sobre um anúncio na TV de um carro capaz de rodar a 180 km por hora. Aí ele perguntava:
“Mas as leis brasileiras não proíbem que se dirija a mais de 80 km por hora?”
E enquanto as pessoas confusas buscavam na memória alguma justificativa, Sócrates encarava a câmera e dizia:
“Não precisa explicar. Eu só queria entender.”
A segunda sobre o que Nelson Rodrigues, dramaturgo e escritor brasileiro, chamou de “Complexo de Vira-lata”.
“Por "complexo de vira-lata" entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. O brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Eis a verdade: não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a autoestima.”
Qual a dificuldade em compreender a nossa cultura brasileira?
Qual a razão de, mesmo com taxas maiores em qualquer item relacionado ao aleitamento materno e amamentação, ainda se buscar referências sobre o tema em países com taxas todas menores do que as nossas (por exemplo, Estados Unidos)?
O que ganhamos trazendo recomendações de países que têm climas, políticas públicas, recortes de gênero, raça muito diferentes e pouco compatíveis com a nossa realidade?
Por que razão se insiste na "orientação", por exemplo, de 3 ou 6 meses de leite materno congelado, se na nossa realidade e com nossos estudos e com nossa tecnologia, reconhecida e exportada para mais de 20 países, a recomendação é de 15 dias (segurança, composição)?
Qual a justificativa de profissionais da área de saúde materno-infantil insistirem em desconhecer as leis que regem suas ações dentro do BraSil (com S maiúsculo mesmo), como a NBCAL, os códigos de ética profissionais e os manuais de publicidade de cada ramo de atividades e “preferirem” seguir o que não é orientado aqui?
Até quando vamos deixar de reconhecer a influência do recorte racial nas taxas de aleitamento materno no Brasil (e em muitas outras questões – alimentação, vacinação, educação, segurança), apesar de todas as pesquisas e estudos sobre o tema apontarem para essa nossa realidade estrutural?
Quando será que nossas leis relacionadas à amamentação partirão de uma pesquisa profunda e meticulosa levando em conta os verdadeiros envolvidos e seus interesses e que, de verdade, possa fazer diferença na saúde materno-infantil? (Recomendo a leitura de um outro texto meu: Nada sobre nós, sem nós, publicado no blog da Editora Timo).
ENANI – 2.019 – Aleitamento materno desde a sala de parto (62,4%), até 2 anos (35,5%) ou mais, exclusivo e em livre demanda até o 6º mês (45,8%).
OMS – 2.030 – Aleitamento materno desde a sala de parto (70%), até 2 anos (60%) ou mais, exclusivo e em livre demanda até o 6º mês (70%).
Será que, de acordo com o ritmo que estamos atualmente (devagar e sempre), conseguiremos atingir em 2.030 todas as taxas propostas pela OMS?
“Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta continuarei a escrever”.
Clarice Lispector (A Hora da Estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998).
Agora, para os que me veem só como o copo meio-cheio pessimista, apesar de eu sempre tentar explicar que é só uma forma de demonstrar que temos meio-copo para preencher, seguem minhas “previsões” e meus votos para 2.025 e para o nosso futuro daí em diante.
Que o mundo saiba que viver no BRASIL não é para amadores e que, apesar dos muitos perrengues, ser brasileiro não é para todos e dá para se orgulhar. E muito. E em todos os campos. Mas, sempre, com a proteção, o apoio e a promoção da nossa ciência, da nossa educação, das nossas “pessoas cidadãs” e da nossa arte.
E falando na nossa arte...
“Que confusão veja você
No mapa-mundi está com Z
Quem te conhece não esquece
Meu Brasil é com S”
Composição de Rita Lee e Roberto de Carvalho, gravada em 1.982 por Rita Lee e João Gilberto (Brasil com S).
“Não troco o meu ‘oxente’ pelo ‘ok’ de ninguém!”
Ariano Suassuna – escritor de O Auto da Compadecida, recomendando filme que tem estreia nacional marcada para 25 de dezembro, com Matheus Nachtergaele e Selton Mello (e quem não conhece, leia o livro, assista o filme 1 e se delicie com essa “segunda parte”).
P.S.: Só nesse pequeno texto, sem muito esforço, tem Ariano Suassuna, Clarice Lispector, Rita Lee e Roberto de Carvalho, João Gilberto, Orival Pessini, Jô Soares e Nelson Rodrigues, Matheus Nachtergaele (João Grilo) e Selton Mello (Chicó). Que riqueza.
Boas festas e um Feliz Ano Todo.
Voltamos em 2.025, sempre com esperanças realistas (olha o Suassuna aí de novo rsrsrs).
Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545