Do site JorNow e do Portal SEGS
Não é segredo que as crianças estão atualmente trilhando "um caminho rápido para o sucesso". Que tipo de sucesso as crianças irão encontrar no final desta corrida de alta pressão é que não sabemos, mas elas continuam a ser empurradas "para ter sucesso" em todos sentidos: na escola, no inglês, na academia, no clube...
por Márcia Wirth
08/09/2014
“Ao que me parece, muitas crianças estão perdendo a infância. A pressão acadêmica é apenas uma peça do quebra-cabeça quando se trata do ‘jejum de infância’. Nós estamos experimentando uma mudança cultural gradual, em vários âmbitos no que se refere à esta etapa da vida”, afirma o pediatra e homeopata Moises Chencinski (CRM-SP 36.349), autor do Blog Mama que te faz bem.
Segundo o médico, “a pressão acadêmica sobre as crianças é mais intensa agora, mas elas também estão sobrecarregadas com atividades extracurriculares. Elas praticam esportes competitivos (às vezes dois, três...), também são obrigadas a cursar aulas de música e de arte e a participar de atividades de sua comunidade (escola, condomínio, prédio), o que preenche completamente a semana e o final de semana com eventos, compromissos, datas de jogos/competições e festas”, diz Chencinski.
As crianças estão “perdendo a infância” porque perderam o direito de ter um tempo livre para brincar, sem competição, sem obrigação... Essa mudança cultural: a possibilidade de estar com os amigos apenas para brincar, não para competir, não para se apresentar, não para tocar, não para mostrar um talento fará imensa diferença nos níveis de estresse e de felicidade das crianças.
Em um artigo no The Independent, Peter Gray, pesquisador do Boston College e autor de um livro sobre o tema, defendeu a necessidade de mais brincadeiras não estruturadas para as crianças. Ele sustenta que algumas das mais importantes habilidades para a vida não são ensinadas na sala de aula. A brincadeira é o veículo pelo qual as crianças aprendem a se relacionar com os outros, a resolver problemas e a controlar suas emoções.
“Eu não poderia concordar mais. Já abordei o tema algumas vezes. A brincadeira é muito mais do que os personagens que as crianças inventam e assumem nas histórias que desenvolvem. Através da brincadeira, as crianças aprendem a dominar seus medos, afirmar suas necessidades, processar e lidar com suas emoções e conviver com outras pessoas. A brincadeira ajuda as crianças a resolver conflitos e aliviar o estresse”, defende o médico, membro do Departamento de Pediatria Ambulatorial e Cuidados Primários da Sociedade de Pediatria de São Paulo.
“Mesmo diante de tantos benefícios para o desenvolvimento infantil, é raro encontrar uma criança que tenha tempo na agenda para participar de jogos e/ou atividades não estruturados. É hora de fazer uma mudança. Os pais não podem controlar a pressão acadêmica que as crianças enfrentam a cada dia, não podem controlar a quantidade de lições que elas trazem todas as noites, mas podem mudar a forma de auxiliar seus filhos, quando eles estão em casa. Os pais precisam fazer alterações nos horários para que as crianças tenham tempo de brincar”, defende o pediatra.
Cinco razões para deixar seus filhos brincar
Brincar é uma oportunidade para as crianças processarem e trabalharem com as emoções negativas com as quais se deparam ao longo do dia. O fato de ser criança pode fazer com que tudo pareça diversão e jogos e talvez os seus "problemas" pareçam insignificantes. Mas nem por isso, as crianças deixam de sentir estresse, que, em alguns casos pode ser “grande e esmagador”.
“As crianças trabalham todos os tipos de emoções quando absortas em brincadeiras não estruturadas. Elas podem começar a brincadeira estressadas, mas, uma vez imersas num mundo de imaginação, elas gradualmente liberam a tensão e restauram a sensação de calma”, explica o médico.
“Os pais sempre me perguntam como ensinar seus filhos a controlar suas emoções. Crianças pequenas tendem a expressar sentimentos muitos exagerados e muitas vezes reagem antes que os pais tenham tempo sequer de processar o evento que desencadeou tais sentimentos. Através da brincadeira, as crianças aprendem a controlar seus impulsos e trabalhar com suas emoções. Elas aprendem a encontrar os gatilhos e a resolver potenciais problemas”, comenta o pediatra.
A brincadeira em grupo não estruturada é a melhor maneira de deixar as crianças trabalharem suas habilidades de interação social. “Quando envolvidas em brincadeiras em grupo, as crianças têm de aprender a cooperar, resolver conflitos, ter empatia com os outros e a se relacionar com seus pares”, diz Chencinski.
Uma criança pode memorizar as respostas às perguntas de matemática (e pode ainda memorizar as estratégias para resolver problemas difíceis de matemática), mas não pode memorizar maneiras de resolver problemas na vida real. “E se uma peça do quebra-cabeça sumir? E se outra criança for deixada de fora do grupo? E se o meu colega faltar e meu time de queimada ficar desfalcado? Crianças enfrentam uma série de problemas, a cada dia, e esses problemas variam de acordo com a idade e com o seu estágio de desenvolvimento. Elas têm que aprender a dar um passo atrás e avaliar a situação antes de desistir da brincadeira ou de ficar brava com outrem. Elas têm que aprender a ‘pensar fora da caixa’. E isso é algo que elas podem aprender através das brincadeiras”, defende o autor do Blog Mama que te faz bem.
A grande ironia de aumentar a pressão acadêmica em detrimento da brincadeira desestruturada é que a brincadeira realmente promove a aprendizagem.
“Você já viu as crianças despejarem uma lixeira e construírem algo, a partir do nada, só porque elas estavam brincando de fazer aquilo? É preciso planejamento, pensamento criativo, cooperação e desenvoltura para transformar um monte de papelão velho numa escultura, por exemplo, ou numa casinha de bonecas. A brincadeira é um estilo de aprendizagem mais natural para as crianças. Elas aprendem com a brincadeira desde o primeiro momento em que mordem blocos de madeira e continuam a aprender através da brincadeira, de maneira mais avançada, à medida que crescem”, diz o pediatra.
Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545